domingo, setembro 17, 2017

(I) A importância de curar os tratamentos da loucura

No Antigo Testamento conta-se que Nabucodonosor, rei da Babilónia, colocava-se a quatro patas a uivar e a beber água na companhia dos animais. No Livro de Daniel, o profeta explica que tal resultara de uma punição divina. A loucura serviria de instrumento a Deus para castigar os homens pelo seu pecaminoso comportamento. Mas data igualmente desses longínquos tempos, que a causa da epilepsia derivava da posse demoníaca do espírito do doente, causando-lhe convulsões.
O Diabo e o bom Deus serviam de bodes expiatórios para justificar o que não correspondia ao que era tido como normativo nas respetivas culturas. Por isso, na época medieval, os solitários que se escusavam à sociabilidade eram qualificados de loucos, em cujo ostracizado grupo também se incluíam as mães solteiras e os filhos bastardos.
Desde a Antiguidade mais recuada, que esses desvios  à conduta mereceram tentativas de tratamento de uma violência assinalável: em crânios dos alvores da Humanidade encontraram-se indícios de competentes trepanações, que constituíam tentativas ingénuas de abertura de uma «janela» por onde se pudesse escapar o «mau espírito», que nele se acoitava.
A incapacidade de compreensão dessas atitudes tornou a loucura um permanente objeto de dissecação enquanto fenómeno de desejável correção. Às vezes caindo-se nos maiores exageros, porquanto até exacerbações amorosas se vieram a incluir na tipologia das formas de loucura. Ou os suicídios, explicados mais facilmente como resultante desse  tipo de desorientação do que produto das frustrações depressivas de quem os havia concretizado. Demorou a aceitar a ideia de que a depressão era mais do que uma reação ao que a Igreja Católica impunha como aceitação resignada a este percurso pelo «vale de lágrimas» depois recompensado com os prazeres celestiais, quando a morte ocorresse.
A palavra Psiquiatria só foi inventada pelo alemão Johann Christian Reil em 1808 a partir de um derivativo grego, com que pretendia designar o tratamento médico da alma. Só com a introdução da compreensão dos afetos nos comportamentos doentios se tornou possível explicar a paranoia, a ninfomania, a piromania e tudo quanto decorreria da busca de prazeres delirantes. A demência seria igualmente termo introduzido no século XIX para definir as alterações nessa afetividade causadas pelas verificadas no próprio cérebro. Mas medicamentos vieram, desde então, minimizar o recurso a tratamentos, que equivaliam comummente a autênticas formas de tortura.
Boris Cyrulnik, conhecido etólogo francês, que partilhou a autoria de «La Folle Histoire des idées foles en Psychiatrie» (ed. Odile Jacob) com Patrick Lemoine, acredita que a Psiquiatria ainda está por nascer, porque a loucura ainda é tratada violentamente. Em vez de se cingir aos seus próprios conhecimentos a especialidade deve abrir-se multidisciplinarmente a outros saberes, nomeadamente aos que a neurofisiologia vai propiciando com acelerada propensão. A loucura poderá ser então um estigma, que perderá muito do seu potencial de infelicidade, quer para quem o sofre, quer para quem com ela lida.

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