quinta-feira, setembro 14, 2017

(DIM) A Queda e a Redenção como tema scorcesiano por excelência

Uma das referências mais frequentes, que se fazem a «O Touro Enraivecido», é a de Robert de Niro ter chegado a engordar trinta quilos para desempenhar convictamente o papel de Jake La Motta, quando envelhecido. Por isso terá alcançado neste filme o cume do seu talento, tantas vezes desperdiçado em coisas abstrusas posteriores. Mas esse era o tempo em que De Niro repetia em entrevistas a ambição de se converter física e mentalmente nas suas personagens enquanto durasse o tempo de rodagem dos filmes.
Pode-se, pois, dizer que existe uma ânsia de realismo reiterada na escolha pela filmagem em cenários reais, mesmo que com alguma ajuda da sua recriação em Little Italy, o bairro nova-iorquino onde se passa grande parte da história. Mas logo na sua primeira cena, aquela em que vemos o boxeur a dar socos no ar em câmara lenta ao som da música de Mascagni é induzido no espectador o clima simultaneamente romântico e trágico em que evoluirá este percurso de Queda e Redenção, um tema tão scorcesiano, que normalmente se o associa à filiação católica em que ele se situa. Não esqueçamos a sua realização de uma das versões da vida de Cristo segundo um dos Evangelhos…
As cenas de combates - todas elas diferentes umas das outras, desde a abordagem mais convencional da relativa ao primeiro deles até à mais brutal no da derrota com Sugar Ray Robinson - negam esse realismo mediante o recurso notável aos artifícios da montagem, ora acelerando os movimentos, ora retardando-os até à câmara lenta, complementando-os com travellings, deformações óticas e efeitos de luz, que redundam na sua transformação em autênticas viagens espirituais com consequências catárticas. Jake La Motta vai sendo progressivamente representado como o solitário condenado a perder tudo para que consiga vencer os seus demónios interiores.
Há igualmente que reparar nos planos-sequência tão inerentes ao cinema de Scorcese, como esse de longa duração, que leva La Motta a percorrer o trajeto entre o corredor dos balneários e o ringue para aquele que será o seu combate da consagração. Ou ainda, noutra especificidade do seu cinema, que implica os personagens olharem-se frequentemente ao espelho como que a procurarem recompor as suas diferentes facetas, tantas vezes contraditórias entre o que desejam e quanto o mundo à sua volta impõe.
Não sendo um filme fácil, tendo em conta a brutalidade de certas cenas e quanto o protagonista consegue ser odioso, «O Touro Enraivecido» é um belíssimo filme se compreendido em tudo quanto pressupõe. 

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