segunda-feira, setembro 16, 2019

(DL) Viagem pelo Ceilão no início do século XX


Pelo fim da adolescência li com gosto dois romances de Pierre Loti - «As Desencantadas» e «Pescador da Islândia» - que vieram ao meu encontro de viajante ainda em embrião, depois tornado vocação e modo de vida. Na altura não tive consciência do pensamento muito conservador do autor, que aproveitaria a literatura para a defesa do seu ideal colonialista.
Voltar agora à sua escrita implica já ter essa premissa como guia do que ele escreveu ou apenas deixou sugerido, ao mesmo tempo que se pode aferir nesta componente não explicita a forma como ilude uma homossexualidade nunca liberta da prisão do armário.
Vem isto a propósito do livro, que teve o Sri Lanka e a Índia como temas na sequência de viagens ali efetuadas, quando já percorrera de lés-a-lés outras regiões do planeta. Oficial da Marinha francesa já navegara nos diversos mares e tornara-se reconhecido académico.
Quedando-me pela primeira parte do livro dedicada á Ilha das Especiarias, tão apreciada pelos navegadores portugueses do século XVI, quase se me afigura irónica a sensação de paz sentida pelo escritor quando ali chegou. É que o Sri Lanka conheceu em anos recentes uma terrível guerra civil entre o poder central e a região ocupada pelos tâmil, concluída com a sangrenta repressão dessa minoria. Ou seja nada da harmonia, recolhimento, quietude, que Loti fartamente enuncia.
Numa visita a um templo budista ele interessa-se pelos fundamentos da religião, que tivera ali berço e se expandira depois por todo o subcontinente. Durante muitos séculos Anuradhapura estivera imerso na densa floresta só dela sobressaindo as mais elevadas stupas.
Quando chegou a essa recôndita região da ilha Loti já encontrou os acessos desimpedidos e a atmosfera impregnada pelo cheiro do incenso e pelos cânticos dos peregrinos para ali atraídos. Junto dos monges procurou alguma porta aberta para a espiritualidade de que sempre se sentira apartado  como se nela residisse a solução para os impasses com que analisava a sua própria existência.
A viagem levou-o de seguida até Kala Wewa hoje a uma hora de distância de Anuradhapura, mas mais difícil de alcançar nesse início de século XX, quando os transportes e as suas vias eram bem diferentes das atuais.
Uma vez mais é a tranquilidade o que mais agrada a Loti, que recorda nas margens do imenso lago a sua infância no sudoeste de França. Retemperadas as forças para retomar caminho ele prepara-se para atravessar o Estreito de Palk e descobrir a Índia onde melhor nela possa sentir a originalidade, distante da presença e influência britânica. E se o budismo não lhe dera passagem para mundos íntimos, que não sabia como alcançar, iria proceder a idêntica busca no hinduísmo para cujas crenças e ritos manifestaria a maior abertura.

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