sexta-feira, setembro 20, 2019

Diário de Leituras/ 20 de setembro de 2019: Quando Conrad navegou pelo rio Congo


Joseph Conrad escreveria depois que “antes do Congo eu era um simples animal”. Ao navegá-lo de jusante para montante sentiu um fascínio com o seu quê de hipnótico, que revestiria muitas das páginas do seu romance «O Coração das Trevas».
O pretexto para a viagem foi o contrato assinado com a Sociedade do Alto Congo para lhe representar os interesses na região nos três anos seguintes, mas o futuro escritor não chegou a aguentar seis meses, acossado por febres que quase o matam. Ainda assim a breve estadia bastou para que associasse o colonialismo belga à mais torpe encarnação do mal.
Estava-se em 1890 e Conrad ainda dava o benefício da dúvida às virtualidades da governação europeia sobre domínios anteriormente comandados pelos seus reinos ancestrais. Mas a evidência da cupidez dos brancos escandalizou-o tão rapidamente, que encontrou quem lhe servisse de modelo para um dos personagens mais impressivos da sua ficção literária: o demoníaco Kurtz.
O marfim tendia a ser o objetivo prioritário dos exploradores da região, mas outra riqueza começou a prevalecer: a borracha de que os mercados ocidentais andavam tão carecidos.
Ao subir o rio, o alter ego de Conrad testemunha a omnipresença da morte ao som dos tambores de cujo intenso repicar nunca chega a entender o propósito. Marlo assiste à forma ignóbil como os colonos agridem a população local, acusando-a de não investir esforço suficiente para que pudessem alcançar as quotas de produção pretendidas.  Conrad testemunhou como esses exploradores não hesitavam em encarcerar as mulheres, tomando-as como reféns, para que os maridos ou os filhos trabalhassem ainda mais arduamente nas plantações. Ou cortando as mãos aos escravos, que consideravam menos dispostos a obedecerem-lhes às ordens.
Ao chegar aos domínios de Kurtz, Marlo apercebe-se de ali não se respeitarem quaisquer barreiras morais. Do rio vê cabeças espetadas nas paliçadas confirmando-lhe os piores temores.
A experiência congolesa foi tão traumatizante para o escritor, que sobre ela deixou passar oito anos até atrever-se a vertê-la para o papel. O resultado é um dos melhores romances do primeiro quartel do século XX e uma adaptação cinematográfica, que deu a Coppola o ensejo de assinar a mais espantosa das suas obras-primas.

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