quarta-feira, setembro 11, 2019

(DIM) Dos deuses envelhecidos aos amores equívocos


Quando vi «Sunset Boulevard» pela primeira vez - já lá vai quase meio século! - não imaginava que aquele início nunca mais me sairia da cabeça, embora viesse depois a ser imitado em muitos filmes de qualidade irregular, todos eles abaixo do modelo. William Holden aparecia morto, a boiar na piscina de uma vistosa moradia de Hollywood, e seria ele quem, num longo feed back, faria de narrador da história. Pôr um morto a falar-nos diretamente do que lhe sucedera só lembraria a um realizador e argumentista imaginativo como Billy Wilder o era.
Há, igualmente, a cena em que Gloria Swanson dá a ordem a Cecil B. DeMille para que comece a filmar, descendo a escada para deixar-se conduzir onde imaginamos que será, depois de ter assassinado o jovem amante, que nela vira oportuno trampolim para os seus objetivos arrivistas.
Não basta, porém, salientar esta ou aquela cena para justificar a revisão do filme esta tarde na Cinemateca, que o projeta a pretexto da homenagem pelo centenário do nascimento de Jorge de Sena. Porque ele merece ser apreciado no seu todo, recheado de pequenos/grandes momentos, que asseguram a progressão da intriga até ao clímax final.
Ademais não podemos ignorar a presença de Buster Keaton entre os secundários a que Wilder recorreu para dar à mansão da protagonista a sensação de fim de uma época, que era também a dos velhos atores, que tinham feito carreira no cinema mudo - Swanson ou Stroheim - e estavam ameaçados de incontornável esquecimento.
Outro filme integrado no mesmo ciclo é «A Passageira» de Andrezj Munk,  que será exibido ao fim da tarde e me foi assinalado pela crítica francesa, quando a comecei a ler na passagem dos anos sessenta para os setenta do século passado. Nesses textos lamentava-se a morte precoce do realizador, que não chegou a fazer a pós-produção do filme por não ter sobrevivido a um acidente de viação. A história acontecia a bordo de um paquete onde uma antiga carcereira de Auschwitz reencontrava uma das prisioneiras, que tivera à sua guarda e cujo testemunho poderia pôr em causa a sua atual condição de burguesa bem instalada na realidade do pós-guerra. .
Jorge de Sena redigira para a revista «O Tempo e o Modo» um texto alusivo a este filme, mas a censura não aprovara a sua publicação. Como poderia ser de outra forma se estava em causa a relação entre os carrascos e as suas vítimas? Os censores não ignoravam o paralelismo que o filme estabelecia com a própria realidade portuguesa.
Noutro ciclo que a Cinemateca está a apresentar neste mês de setembro - sobre o Cinema na República de Weimar entre 1919 e 1933 - são hoje apresentados dois filmes: «De Automóvel pelo Mundo» de Clärenore Stinnes, Carl-Axel Söderström e «O Canto do Prisioneiro» de Joe May.
O primeiro reporta a longa viagem, que a corredora de automóveis Clärenore Stinnes empreendeu entre 1927 e 1929 por vinte e três países no mundo, percorrendo mais de quarenta mil quilómetros para justificar a reivindicação de ter constituído a primeira circum-navegação em automóvel. É um interessante road movie com particular atenção para os usos e costumes das diversas populações e para a diversificada beleza das paisagens.
Quanto ao filme de May, datado de 1929, é ambientado no pós-Grande Guerra, quando os prisioneiros retidos na Sibéria regressam à Alemanha em tempos muito desfasados, criando-se um triângulo amoroso entre dois deles e a mulher do que demora mais tempo a chegar.
O realizador emigraria depois para Hollywood onde seria prolífico realizador de filmes de série B.

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