domingo, setembro 22, 2019

Diário das Imagens em Movimento /22 de setembro de 2019: «O Outro Lado» de Roberto Minervini (2015)


Entendamo-nos desde já: nunca efabulei os Estados Unidos como um sonho americano. A primeira vez que ali fui fiquei seriamente espantado com a atitude de um chegador da Casa das Máquinas do navio «Inago», que embarcou em Lisboa e desapareceu de bordo tão só aportámos num cais de Nova Jérsei.  Que levara alguém a procurar futuro num país onde, nessa mesma noite, um português encontrado num bar, afiançaria ter de trabalhar doze horas diárias como magarefe, matando centenas de animais por dia, para sustentar a família? E, dias antes, levara um rombo na conta bancária, quando a mulher dera à luz o seu filho mais novo e tinham-lhe exigido 3 mil dólares à cabeça antes de a deixarem aceder à maternidade.
Nessa descoberta de um país, que já conotava com a agressão imperialista e as suas muitas venalidades - racismo, intolerância anticomunista, crueldade, violência - não encontrei motivos para melhorar a opinião sobre o que representava. A futura descoberta dos museus nova-iorquinos só aconteceria três décadas depois, porque, por essa altura, fiquei intimidado com os polícias resguardados à noite nas lavandarias do bairro italiano, quando a criminalidade era fenómeno descontrolado na Big Apple desses anos 70.
Foi ali que Roberto Minervini chegou em outubro de 2000 a tempo de assistir ao roubo da eleição presidencial através da fraude perpetrada na Florida.
Consultor de tecnologias de informação viu-se desempregado no ano seguinte, quando dos ataques às Torres Gémeas, que riscaram do mapa o empregador para quem trabalhava. Reciclado em cineasta, após breve curso, passou a documentar essa América disfuncional, onde impera a raiva e a frustração.
Entre 2011 e 2013 rodou a Trilogia do Texas - «The Passage», «Low Tide» e « Stop the Pounding Heart» - mudando depois o foco para a Luisiana mostrando o quotidiano de um traficante de droga, que odeia Obama, mas é particularmente afetuoso para com a mãe, a avó, a sobrinha e, sobretudo, para com a amante doze anos mais velha a quem pede em casamento.  Difícil não ter alguma empatia com quem revela tão inesperada sinceridade à câmara do realizador. Mesmo quando o vemos injetar uma stripper grávida, que suscita uma das mais insuportáveis cenas do filme. E há depois a segunda parte com uma milícia de extrema-direita, inteiramente constituída por veteranos desmobilizados, que preparam a contrarrevolução à suposta guerra lançada por Obama para lhes impor valores que não são os seus.
Entre as suas muitas virtudes, o filme permite-nos compreender melhor como foi possível que Trump tenha sido eleito.

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