terça-feira, setembro 10, 2019

(DIM) Abderrahmann Sissako


Apesar de «Timbuktu» até ter passado nas salas portuguesas, quase apostaria que poucos cinéfilos estão identificados com a importância do maliano Abderrahmann Sissako na História do Cinema africano. Martin Scorcese, confesso apreciador dos seus filmes, realça-lhes o apuro formal e a serenidade, mesmo nas situações mais dramáticas.
Não surpreende que aquele título de 2014 tenha recebido um César de Melhor Filme (o equivalente francês dos Óscares!) de entre muitas outras consagrações internacionais com que foi bafejado. O tema era o da ocupação do norte do Mali por guerrilhas islamitas, que logo impunham formas extremas da sharia. Contra essa repressão os humilhados faziam valer a sua corajosa revolta.
Nessa denúncia de um acontecimento que tanto o indignou, Sissako encontrou matéria para cumprir os objetivos como cineasta: transformar os filmes em esclarecedoras janelas pelas quais os espectadores possam partilhar a sua forma de olhar para a realidade.
Nascido em 1961 em Kiffa, na Mauritânia, o futuro realizador acompanharia a família, quando ela foi instalar-se em Bamako, era então muito jovem. A infância viveu-a intensamente numa grande casa onde cabiam os pais e os catorze irmãos, sem esquecer os amigos, vizinhos e outros familiares, que ali imprimiam uma atmosfera de grande convivencialidade e de partilha de histórias ou inquietações. Sentia-se, porém, muito frágil, incapaz de conseguir transformar os sonhos em realidades. Mas estas acabariam por ocorrer, quando ganhou uma bolsa para estudar em Moscovo, na prestigiada Escola de Cinema VGIK, onde contaria com um importante mentor: o professor Marlin Chujiev.
Nessa estadia de dez anos em Moscovo, Sissako pode testemunhar como uma sociedade bem organizada depressa se enleou em caóticos acontecimentos, que culminaram na implosão da União Soviética. Foi, igualmente, nesse período, que rodou uma muito elogiada curta-metragem - «Outubro» (1993) - protagonizada por Irina Apeksimova que, tantos anos depois, ainda recorda como, durante a rodagem, cada plano era planeado até ao mínimo detalhe, demorando muito mais do que seria expectável.
Uma das primeiras longas-metragens, que consolidaram a atenção da crítica europeia para a sua filmografia, foi «A Vida na Terra» (1998), que tinha por tema a expetativa dos habitantes de uma remota aldeia do Mali pelo novo milénio, encarado com grande inquietação. Um rapaz vinha à aldeia para visitar o pai e conhecia uma rapariga da aldeia vizinha, com quem acabava por estabelecer conversa. Mas os demais aldeões bem procuravam contactar telefonicamente com os familiares e amigos, sem que as comunicações telefónicas se revelassem à altura das circunstâncias.
Para «À Espera da Felicidade» (2002), que foi rodar à aldeia de Nouadhibou, na Mauritânia, junto dos pescadores locais, o tema é o da emigração para a mirifica Europa.
«Bamako» (2006) reproduz o ambiente da infância, com um casal a mergulhar em progressivo silêncio depois de ficarem sem trabalho, enquanto no átrio faz-se um julgamento popular contra o Banco Mundial, símbolo da avidez com que os europeus apossaram-se das riquezas legitimas dos que ali viviam.
Para o novo filme em preparação  Sissako foi à China para identificar-se com uma cultura cada vez mais interligada com a africana por efeito da globalização. O que daí resultará ainda estamos por descobrir.
Sissako é o nome cimeiro de uma geração de artistas africanos, que exigem ver o seu continente integrado no mercado mundial da arte e das exposições.

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