segunda-feira, setembro 16, 2019

(DIM) Os campos e a grande cidade nos filmes de Satyajit Ray


Quando morreu aos 70 anos, em abril de 1992, o realizador indiano Satyajit Ray já quase caíra no esquecimento dos cinéfilos ocidentais embora tivesse rodado quase meia centena de filmes desde que, em 1956, o seu «Pather Panchali» entusiasmou a crítica francesa, que o viu no Festival de Cannes. Quer esse filme, quer nos que se seguiriam, e constituiriam a chamada trilogia de Apu, havia uma óbvia filiação na estética neorrealista europeia adaptando as mesmas preocupações ao difícil quotidiano das classes mais pobres dos aldeias rurais indianas.
Nessa época a máquina trituradora de Bollywood já cuidara de obstaculizar a divulgação na Europa dum cinema indiano, que nada tinha a ver com as suas canções, nem com as suas delicodoces histórias românticas. Ainda assim, de vez em quando, quer através da Cinemateca, quer num memorável ciclo apresentado por Paulo Branco no Nimas, houve a possibilidade recente de vermos esse ostracismo momentaneamente posto em parêntesis.
Olhando para o conjunto da obra do realizador podemos detetar-lhe três eixos temáticos principais: para além dessa vertente próxima do neorrealismo, Ray revelou noutros filmes a decadência das classes mais abastadas - os bramanes - operacionalmente associados ao colonialismo inglês a cuja sombra haviam prosperado e entretanto condenados a encontrarem difíceis formas de sobrevivência perante uma realidade socioeconómica em acelerada evolução. E há a terceira vertente, que é a da desilusão dos que migraram dos campos para a grande cidade - normalmente Calcutá onde Ray nascera em 1921 - e, em vez da prometida melhoria significativa da qualidade de vida, encontraram as dificuldades inerentes a uma concorrência feroz para agarrar as escassas oportunidades de sucesso na conquista de um emprego, de um modo de vida minimamente aceitável. No seu gigantismo a cidade é mostrada por Ray como um espaço claustrofóbico onde a sensação de derrota está omnipresente em cada momento.

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