domingo, setembro 08, 2019

(DIM) O Texas de Wim Wenders


Tudo começou nos anos 70, quando Wim Wenders empreendeu uma viagem de carro pelo Texas, concluindo ter ali encontrado uma miniatura da própria América. Não admira que, já realizador consagrado do novo cinema alemão, viu-se convidado a rodar um filme em cenários norte-americanos e tenha-se atirado para o projeto com uma certeza: a de situar a estória naquelas paisagens, abordando as esperanças e desilusões de uma América com muito pouco para ser considerada a terra dos sonhos. Estava-se em 1983 e, no ano seguinte, «Paris, Texas» receberia a Palma de Ouro em Cannes e o Globo de Ouro para o melhor filme estrangeiro.
Considerado a joia escondida do Texas, o Parque Nacional Big Bend seria a incontornável opção para o cenário onde depararmos Travis no início do filme.
Wenders sobrevoara-o ao procurar os melhores sítios para locais de rodagem das várias cenas e impressionara-o a desolação desse pedaço de terra esquecido pelos deuses, particularmente propício para os praticantes de trekking mais solitários. A paisagem teria singular correspondência com os estados de alma atormentados do protagonista.
Saindo do deserto Travis desemboca em Terlingua numa nova etapa da viagem iniciática. Trinta e cinco anos depois de Wenders ter ali feito acampar a equipa de filmagens, a cidade  fantasma continua a merecer a autodesignação com que recebe os forasteiros, mas já conta com meia centena de habitantes em vez dos dez ou doze de então. O filme contribuiu para esse mitigado crescimento populacional nada comparado com os cerca de dois mil, que chegara a contar nas quatro primeiras décadas do século XX, quando ali havia uma mina de cinábrio, mineral de que era extraído o procurado mercúrio.
A expetativa de enriquecimento esvaiu-se de um dia para o outro e a urbe, que até contava com um teatro, viu-se quase por todos abandonada de um dia para o outro.
Na escala seguinte Travis aloja-se num motel - essa instituição marcadamente americana, que nenhuma transposição para outros continentes consegue credibilizar! - tornando-se mais apresentável para a missão a que se propusera tendo Los Angeles como meta seguinte. Mas pressente-se o seu desconforto na relação com o ambiente urbano como se, entre as duas margens do Rio Grande, ainda mantivesse a identidade no lado mexicano em vez de se sentir no bulício da cidade fronteiriça.
O voo entre El Paso e a Cidade dos Anjos demoraria apenas duas horas mas, no aeroporto, Travis escusa-se a apanhar o avião. Ninguém o convenceria a afastar os pés do solo bem firme. Razão para que o personagem de Wenders replique as deambulações por ele concretizadas anos antes ao longo das longas retas ao volante de um automóvel, Alcança a casa do irmão e da cunhada para reencontrar o filho, que não via desde bebé, e leva-o para Huston à guarda da ex-mulher com quem apenas contacta com um espelho pelo meio.
Cumprida a missão, e tal qual sucedia em muitos westerns com cowboys solitários, volta a diluir-se na paisagem tomando imprevisível direção.
Poderia «Paris, Texas» passar-se noutro qualquer Estado norte-americano? Talvez a resposta não fosse tão taxativamente negativa quanto nos apressaríamos a concluir. Mas que seria um filme completamente diferente, disso não duvidamos...

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