segunda-feira, setembro 23, 2019

Diário das Imagens em Movimento/ 23 de setembro de 2019: O momento fundador da Sétima Arte


Aquele dia 19 de março de 1895 anunciava-se especial para as centenas de empregados dos hangares ocupados pela fábrica Lumière no Boulevard de Montplaisir em Lyon. Os patrões tinham-nos mandado vir com roupa domingueira dando-lhes instruções muito precisas quanto ao que deveriam fazer na pausa do meio-dia: sairiam apressadamente pelos portões, mas sem nunca olharem para a máquina esquisita manobrada por um deles no outro lado da rua.
No seu momento fundacional o cinema anunciava-se como atividade propícia a voyeurs, que podiam iludir-se com a ideia de estarem a ver algo sem serem vistos.
A desenvoltura na ação devia-se ao facto de só haver película bastante para lhes registar os movimentos durante cinquenta segundos. Rodava-se assim aquele que é tido como o primeiro filme da História do Cinema, embora outros houvessem sido rodados em anos anteriores. Mas o que o tornava tão especial e merecedor de reconhecimento foi a intuição dos Lumière quanto ao que seria o seu cinematógrafo: ao contrário do que Thomas Edison concebera com o seu bem sucedido cinetoscópio, que obrigava os interessados a engrossarem longas filas antes de acederem ao pequeno óculo por onde viam as breves imagens em movimento dentro da caixa de madeira, os irmãos de Lyon tinham criado um invento capaz de propiciar a simultânea visualização dos filmes por dezenas de espectadores e com a vantagem de ser projetado numa parede. Era essa transição do usufruto individual das imagens para a sua apreciação coletiva, e num ecrã de amplas dimensões, o que se canonizou doravante como constituindo a Sétima Arte.
O que será sempre um mistério é a irregularidade dos Lumière quanto às suas intuições: se tinham revelado um golpe de asa ao compreenderem as limitações do invento de Edison, e dado o passo necessário para lhe potenciar o êxito comercial, logo dele se desinteressaram passados dez anos para se dedicarem a outra proeza técnica: a fotografia a cores. Terão alegado nessa altura que o cinematógrafo estava condenado a ser um divertimento de feira de que os clientes depressa se enfadariam.
Enganaram-se, claro! Mas talvez seja outra a explicação: Auguste e Louis foram, sobretudo, cientistas desafiados pela possibilidade de traduzirem na pratica o que iam descobrindo nas suas experiências de laboratório. E o Cinema depressa evoluiria da fase dos técnicos para a dos artistas. Vocação que não era definitivamente a dos seus inventores...

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