quinta-feira, setembro 26, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «Eu não sou o teu negro» de Raoul Peck (2016)


Exilado em Paris para se sentir menos asfixiado pelo clima de segregação racial em que crescera, James Baldwin decidiu-se pelo regresso às origens, quando, entre 1963 e 1967, estavam a ocorrer os sucessivos assassinatos de Medgar Evans, Malcolm X e Martin Luther King. Quando morreu, em 1987, estava a preparar um ensaio sobre a história das desigualdades raciais nos EUA e de como as minorias eram - e continuam a ser! - oprimidas. Foram essas páginas que estimularam o haitiano Raoul Peck a criar este filme de homenagem a quem lançou tantas chaves de compreensão para o que a América foi, é e ainda continuará a ser por muito tempo. Porque cedo, ao ver westerns  com o seu idolatrado Gary Cooper, ficou surpreendido por intuir algo que até então não compreendera: não poderia identificar-se com os cowboys brancos, que dizimavam dezenas de índios com cada tiro disparado, porque era a réplica dessas vítimas de uma forma de ocupação do espaço geográfico norte-americano.
Quando, anos mais tarde, via Doris Day no patético papel de dona-de-casa dos anos 50, já nenhuma ilusão o animava quanto ao facto de ter existido a invenção de um estereotipo de negro, que muito convinha aos brancos como forma de sedimentar o tipo de sociedade em que se sentiam confortáveis, mesmo que isso implicasse a permanente humilhação e opressão de uma parte significativa dos seus vizinhos, infelizmente oriundos dos antigos escravos cuja alforria constituíra um proforma sem a correspondente substância.
Peck insere imagens das explosões de raiva mais recentes, sobretudo quando polícias de disparo fácil assassinaram pessoas a sangue frio por terem como único «crime» a cor errada da pele. E não evita o outro lado da questão, que se traduz na forma como o capitalismo - porque é ele o sistema que constitui o tronco das presentes desigualdades! - procurou neutralizar os protestos dessa importante parcela da população ao tornar num rentável negócio a irreverência inicialmente assumida pelo rap. Mais do que a etnia, o que fundamenta a disfuncionalidade da sociedade norte-americana é o abismo de rendimentos e de oportunidades entre uma maioria da população, vegetando na pobreza,  e a minoria que vai usufruindo, ou ainda julga exequível, o american dream.
Constatava Baldwin que a América não um país de homens livres, porque grande parte da população está sujeita a um pesadelo social.  E para lhe pôr fim é preciso exigir um outro tipo de sociedade, um outro tipo de sistema económico.

Sem comentários: