quarta-feira, setembro 25, 2019

Diário das Imagens em Movimento: «Túmulos sem Nome» - um luto que nunca acaba


Entre 1975 e 1979, ou seja, em menos de três anos, um quarto da população cambojana morreu durante o genocídio perpetrado pelos khmers vermelhos. Fazendo a interpretação criminosa de uma ideologia, que jamais pressupôs algo nesse sentido, a camarilha de Pol Pot deu argumentos falaciosos aos que nela viram a inevitabilidade de uma forma de engenharia social, que o estalinismo já pressupusera.
Rithy Panh tinha treze anos, quando foi levado com a mãe, os irmãos e outros parentes para a região de Battambang no noroeste do país. Segundo as orientações recebidas pelos soldados deveriam perder os vícios de citadinos e adestrarem-se nas competências dos camponeses, vistos então como modelos de virtudes. E identificasse-se algum intelectual, ou simples professor, logo era passado pelas armas, porque a cultura era odiado inimigo a combater.
Nos meses seguintes Rithy testemunhou os mais terríveis cenários, que um jovem adolescente pode enfrentar: tornou-se no único sobrevivente da família, todos eles incapazes de resistir à fome ou ao envenenamento com ervas ingeridas como precária forma de a mitigar, assistiu a agressões quase aleatórias e a execuções sumárias, pressentiu violações de muitas das raparigas, logo elas próprias assassinadas pelos algozes, sentiu um medo permanente.
Quarenta anos depois não consegue evitar a sensação de terminar um insuportável luto. Tanto mais que exerce-se nele a tradição budista de saber-se condenado à perpétua errância, quem não encontra sepultura devidamente identificada.  Daí o regresso a Battambang, ao encontro dos camponeses, que aí tinham sofrido as mesmas penas, mas encontravam-se melhor apetrechados para lhes resistirem e que contam para a câmara o que também eles testemunharam.
Não conseguem dar-lhe qualquer resposta quanto ao paradeiro das ossadas da mãe ou dos irmãos, para que possam encontrar o que entende ser um merecido descanso no além. Mas, ajudado por monges, replica uma cerimónia fúnebre, que possa servir de paliativo, quanto mais não seja para o seu incurável desassossego.
Pressentimos que assim não sucederá, porque há vários anos que vimos acompanhando os seus sucessivos documentários e todos eles incidem sobre esse período terrível na história do seu país e sobre uma tragédia pessoal que não deixa de ter ressonância universal.

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