quinta-feira, setembro 05, 2019

(DL) «Sono» de Haruki Murakami


Uma mulher acorda de noite e adivinha uma presença sobrenatural junto à cama sem que o marido, ao lado a dormir profundamente, partilhe a estranheza do sucedido. É um velho que a fixa sem nada lhe dizer. Até que desaparece, quando ela consegue vencer o torpor e mexer o corpo para se erguer.
Nunca mais voltará a dormir nas semanas, que se seguem. A exemplo de quase todas as personagens de Murakami transformamo-nos nos confidentes de uma personagem solitária, até aí conformada no papel de dona-de-casa e de mãe de um miúdo ainda na escola primária.
O marido - dentista de sucesso - vive apenas para o trabalho e para o sono reparador, não perdendo grande tempo nos transportes porque o consultório fica perto de casa. De repente a vigília permanente leva-a a tomar consciência da banalidade dos dias impelindo-a para comportamentos até então impensáveis: beber a garrafa de conhaque há muito esquecida num armário, comer o chocolate, que o conjugue proibira em casa e, sobretudo, reler «Anna Karenine».
Nessa altura pressentimos que não faltará muito para que opte pelo adultério como forma de vencer a permanente insónia. Enganamo-nos, claro, porque Murakami não estará muito disposto a que o acusemos de previsível. Por isso põe a personagem a percorrer quilómetros à noite, estacionando em zonas particularmente perigosas, como lhe faz notar um jovem polícia, que a interpela e informa ter sido ali o sítio onde, semanas antes, ocorrera violento homicídio, com um casal a ser atacado por um assassino, matando o homem e violando-lhe a mulher.
A narradora prossegue nessa vertigem suicida, cujo sentido não consegue propriamente entender. Uma noite, num parque de estacionamento quase vazio, tranca-se dentro do carro, quando dois desconhecidos a atacam, mas não consegue que a chave de ignição lhe propicie a fuga salvadora.
Nesta novela de oitenta páginas, que Murakami publicou há quase trinta anos, estão muitas das características conhecidas noutras obras posteriores e para muitos justificativas de um Nobel. Apesar de lhe ler quase tudo, não estou particularmente convencido. Nesta altura apostaria em Don DeLillo ou em Claudio Magris, mas sabemos bem quanto imprevisíveis são os desígnios dos jurados da Academia de Estocolmo.

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