domingo, setembro 29, 2019

Diário de Leituras: Uma escritora a soldo


Claire Messud é uma escritora norte-americana, que tem dado aulas de Escrita Criativa e é autora de um romance razoavelmente bem sucedido comercialmente entre nós graças à respetiva tradução: «Filhos do Imperador» O tema era o do amadurecimento de três amigos trintões em Nova Iorque, com as suas ilusões e desilusões.
Não é ele que aqui vem a talhe de foice, mas um conto - «A Estrada de Damasco» - publicado na edição portuguesa da Granta. Porque contém a interessante e cândida revelação de uma vertente da estratégia política dos Estados Unidos nas últimas décadas: o ativismo da CIA e de outras agências norte-americanas no sentido de influenciar os gostos culturais nos países particularmente contemplados pelos interesses económicos dos titereiros da marionete conjunturalmente a ocupar a Sala Oval da Casa Branca.
Hoje está mais do que divulgada a importância que esse esforço de condicionamento dos cânones artísticos europeus teve na promoção da obra do pintor Jockson Pollock, entendido pelos seus divulgadores como antídoto bastante persuasivo ao realismo socialista dos artistas soviéticos em pleno ambiente da Guerra Fria.
No conto em causa Claire Massud diz, preto no branco, que foi para Damasco mediante o financiamento do Departamento de Estado norte-americano - mero eufemismo para designar quem verdadeiramente lhe financiava a estadia! - a fim de ensinar os estudantes libaneses a utilizarem as ferramentas de uma narrativa literária eficiente.
O resto da estória é o que se pode esperar de uma autora com os conhecimentos nessa matéria: aproveita para ir à procura dos vestígios da cidade, quando o pai aí vivera em criança, porque o avô fora para aí destacado como representante do governo colaboracionista de Vichy durante a Segunda Guerra Mundial.
Culpabilizada pelo facto de ter viajado para o Médio Oriente, quando o pai estava a  viver os últimos dias de vida numa cama de hospital, essa procura de quem ele fora constitui um alibi, que acarreta uma conclusão óbvia: apesar de, após muitas deambulações, ter encontrado a rua em que ele vivera, nada sobra na paisagem - edifícios, geometria do espaço - que corresponda a esse desígnio. Mas não estamos bem cientes de como as paisagens, onde nascemos e crescemos, mudam bem mais do que nós mesmos?

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