quarta-feira, setembro 04, 2019

(DL) Os livros de Steinbeck de que gosto e os que nem por isso


Era ainda um miúdo às voltas com os mistérios das letras, quando dei com um volumoso livro de capa azul, que a minha irmã andava a ler. Chamava-se «A Leste do Paraíso» e suscitava-me a inveja de não ter ainda gabarito para me abalançar à sua descoberta. Por essa altura a escola enfastiava-me preferindo gastar o tempo a saltar do terraço da quinta de Castelo Picão para os canteiros onde a minha avó plantava tomates ou às corridas solitárias por entre o trigo da seara, cujas espigas olhava a partir da ainda baixa altura.
Levei muitos anos a descobrir o livro de Steinbeck e nem sequer foi o meu preferido. Quando o escreveu, no início dos anos 50, o escritor já estava a afastar-se das ideias progressistas, que haviam sido as suas entre a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, perdendo o talento revelado em títulos tão exaltantes como «Ratos e Homens» ou «As Vinhas da Ira». Aquele que assumira a abordagem de “factos profundamente pessoais e familiares”, ia esquecendo o estímulo suscitado por, aos 9 anos, ter visto o pai perder o emprego e muito dificilmente arranjar outro, valorizando doravante a beleza, que encontrava num espaço de montanhas, ora luminosas, ora austeras, com os vales cá em baixo, divididos entre ranchos isolados, geometricamente organizados entre zonas verdes e castanhas se vistos de um avião.
Steinbeck, que nascera no vale de Salinas em 1902, chegara a partilhar a labuta dos operários agrícolas mexicanos e chineses quando era adolescente, conseguindo depois transformar o jeito para as letras num emprego como repórter do jornal da cidade. Por essa altura a seca no Midwest estava a empurrar vagas sucessivas de populações para a Califórnia e ele percorreu a região, não só para dar notícia do acontecimento, mas sobretudo para conhecer quem eram esses desvalidos sem nada nas algibeiras e com a fome a doer-lhes nos estômagos vazios.
Os melhores romances decorreram dessa experiência empática com quem não deixava de ter esperança numa América de pesadelo, apesar de se mostrar demasiado madrasta para com os seus tímidos sonhos.
A mudança para a costa do Pacífico, fixando residência na cidade piscatória de Monterrey, iria alterar-lhe os objetivos do que escrevia: quer «Sweet Thursday», quer «Canery Row», são romances apostados no humor, já sem a força dramática a que antes habituara os seus leitores.
«A Leste do Paraíso», que considerou declaração de amor à terra natal, já não é romance que deslumbre. O que não obstou a Academia Sueca de lhe atribuir o Nobel em 1962.  Se a justificação tiver residido nos romances dos seus anos menos emurchecidos compreende-se tal distinção.

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