quarta-feira, setembro 11, 2019

(DL) O síndroma do para-brisas transparente


Não é que no subconsciente não notasse a diferença, mas foi ao ouvir uma entrevista com Stéphane Foucart, jornalista do Le Monde e autor de «Et le monde devint silencieux», que a evidência se clarificou. Porque ele contou como, anos atrás, quando se viajava pelas estradas da França, era-se obrigado a parar de duas em duas horas para limpar os muitos insetos mortos no para-brisas. Agora isso não acontece devido ao que ele designa, muito apropriadamente, como o «síndroma do para-brisas transparente».
Não é que os automóveis tenham-se dotado de uma espécie de campo magnético dissuasor da aproximação dos insetos ou que estes tenham compreendido a forma de não serem tão facilmente mortos. O problema reside na efetiva falta de insetos nos campos por obra e graça da indústria química que, recorrendo a neonicotinoides nos pesticidas, conseguiu levar até quase à extinção essa intensa realidade zoológica. E, ao contrário, do que a indústria agroquímica andou a propagandear sobre o mistério do desaparecimento das abelhas ou das borboletas, elas pouco decorrem das causas que nos quiseram sugerir: a destruição dos habitats, moléstias, espécies invasivas, poluição luminosa nos céus noturnos ou alterações climáticas.
A realidade é outra, tal qual Foucart denuncia amplamente no seu livro acabado de editar pelas Éditions Seuil: é essa mesma indústria agroquímica, suportada em políticas a elas favoráveis conseguidas pelos seus lobbies junto de governos e da Comissão Europeia, quem anda a destruir toda a nossa cadeia alimentar, porque não são só os insetos a desaparecerem: com eles também se evaporaram as aves, que deles se alimentavam e coloriam de sons a nossa paisagem rural doravante silenciosa como aponta o título do livro.
Comparativamente com o que acontecia nos anos 90 só contamos com 1/4 dos insetos, que então eram reportados. Razão para considerar que estamos confrontados com uma catástrofe ecológica só possível porque os interesses financeiros relacionados com aquela indústria têm instrumentalizado a ciência e contido a regulamentação de forma a continuarem a prosperar.
O livro conclui que não basta a proibição do glifosato, que já tanto contribuiu para esse desastre ambiental, porque muitos dos compostos químicos utilizados nos pesticidas ainda em ampla utilização nos campos europeus não são menos danosos dos equilíbrios, que importam recuperar.

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