terça-feira, setembro 03, 2019

(DIM) «Gena Rowlands - atriz e musa por amor» de Sabine Carbon


A afirmação é forte mas, no documentário rodado por Sabine Carbon, quem a diz está cheio de razão: não há quem se equipare a Gena Rowlands na capacidade de representar mulheres em  crise existencial como John Cassavetes a incumbiu de interpretar nos sete filmes que rodaram juntos. Podemos pensar em grandes atrizes do cinema norte-americano mas a nenhuma foi exigido esse tipo de papéis em que os olhos demasiado maquilhados se enchiam de lágrimas, os gestos ganhavam acelerações histéricas e todo o corpo se fazia presente para acompanhar as palavras revoltadas com que reagia contra o que a atormentava.
Quando em 1975 a Academia de Hollywood atribuiu o Óscar de melhor interpretação feminina a Ellen Burstyn, pelo desempenho em «Alice já não mora aqui» de Martin Scorcese, grande parte da sala sentiu tremenda a injustiça de não ter sido Gena a galardoada, mesmo que a nomeação houvesse sido grande feito para quem a conseguira através de um filme independente. Olhando para os sessenta anos em que o seu nome encabeçou cartazes de grandes filmes a notoriedade da atriz só não teve correspondência com o seu efetivo talento precisamente pela prioridade aos filmes que John Cassavetes ia realizando à revelia do sistema. A primeira vez em que este tentou criar uma obra enquadrada dentro de tais constrangimentos - «The Late Blues» (1961) - o fracasso comercial convenceu-o a ele, e aos produtores, que os caminhos futuros deveriam ser de reiterada separação. Quando, quase trinta anos depois, Cassavetes decidiu provar que conseguia fazer filmes mais de acordo com os códigos de sucesso comercial de então - «Glória» (1980) - não deixou de dar-lhe a singularidade de fazer Gena personificar uma mulher forte e determinada a ser tão violenta quanto os potenciais agressores, quando se tratava de cumprir o desígnio a que se propusera.
A relação de Cassavetes com a sua musa começou cedo, nos finais dos anos 40, quando ambos estudavam teatro em Nova Iorque e contrariando a decisão de não prejudicarem as respetivas carreiras artísticas por razões de coração a elas se renderam. O casamento durou entre 1954 e 1989, data da morte dele aos 59 anos deixando por realizar mais obras, que seriam decerto das melhores do que restava para o século XX findar.
Dos filmes mais superlativos de entre os que rodaram juntos importa lembrar «Faces» (1968) em que Gena era uma call girl, que não conseguia iludir o desespero quando recebia os clientes; o já referido «Uma Mulher sob Influência» em que era Mabel, a dona-de-casa que ficava à beira de um ataque de nervos, quando saíam de casa os amigos que o marido (Peter Falk) trouxera para jantar sem sequer a avisar. Ou ainda «Opening Night» (1977) em que era a atriz de sucesso a quem os anos começavam a pesar suscitando-lhe receios incontroláveis. Mas, mesmo o derradeiro, «Love Streams» (1984) em que os dois eram irmãos incapazes de se compreenderem mas, apesar de tudo, cientes do amor que nutriam, não deixou de ser um testamento cinematográfico digno de referência, muito embora ainda tenha havido um outro de 1986, assumido para pagar as contas, cujo título coincidia com o que significou para Cassavetes - «O Grande Problema».
No documentário há uma unanimidade de todos os entrevistados quanto ao clima muito especial, que existia na casa do casal quando esta servia de cenário a alguns dos filmes do realizador. Quem ali ia trabalhar sentia-se integrado na família como se efetivamente a ela o unissem os laços sanguíneos imperando uma cumplicidade, que facilitava a criatividade e impulsionava experimentações impensáveis nos filmes de Hollywood. Mesmo quando Gena não participava como atriz - por exemplo no maravilhoso «Husbands» sobre a fuga de três homens (Cassavetes, Falk e Gazzara) para Londres - as famílias de todos os atores conviveram nos bastidores com uma enorme empatia.
No balanço de toda a sua filmografia Gena Rowlands ficará recordada pelos filmes feitos fora dos estúdios, mesmo que, nestes enquadrada, tenha contracenado com Frank Sinatra, Rock Hudson ou Kirk Douglas. Ou também com Bette Davis que, em adolescente, constituíra o modelo de atriz a replicar. Serão os dirigidos por Cassavetes os mais relevantes, mas mesmo após enviuvar, continuou a escolher papéis em filmes independentes, mormente os dirigidos por Jim Jarmusch ou por Nick Cassavetes e Zoe Cassavetes, dois dos três filhos resultantes do duradouro casamento com o cúmplice de quase toda a sua vida.

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