segunda-feira, junho 04, 2018

(DIM) «A Caça» ou como o fascismo cresce célere numa pequena comunidade


Para Lucas os tempos difíceis começavam a passar. Se perdera o posto de professor na escola local, conseguira emprego no jardim de infância, dando-lhe os meios de recuperar a tutela do filho, Marcus, que a ex-mulher queria reter junto de si. Ademais Nadia, sua colega de emprego, demonstrava-lhe um interesse em vias de se tornar recíproco.
Eis, porém, que uma das alunas, filha do seu melhor amigo, conta a Grethe, diretora do infantário, ter visto o sexo ereto do professor e logo uma insólita histeria se gerar: não tarda que a mera exposição do pénis se converta em abusos sexuais não só a Klara, mas também a vários dos seus colegas, induzidos pelos pais a relatarem mentira semelhante, mesmo que não a entendam como tal. Pelo contrário, a vontade em ver a realidade de acordo com o preconceito é tal, que toda a aldeia põe-se acreditar na versão inicialmente imaginada na cabeça de Grethe e a defende sob o argumento de que «as crianças não mentem». Nesse momento retinam sinetas nos nossos cérebros, porque era essa a expressão mais comum utilizada pelos strechtes e pelas catalinas da Casa Pia, quando se criou a primeira conspiração - nunca desmascarada! - para decepar o Partido Socialista dos seus principais dirigentes. Ora, como se demonstra no filme, as crianças mentem de facto e conseguem ser bastante perversas no recurso à sua aparente inocência.
Se Lucas sempre estivera bem integrado na comunidade logo se vê alvo de um ostracismo doloroso: à exceção de Bruun, padrinho de Marcus, todos os amigos com quem partilhara caçadas, lhe viram as costas ou até o agridem, quando se mostra renitente a sair dos espaços, que frequentara até então. Nomeadamente no supermercado, local onde nem sequer querem deixar que ele ou Marcus façam compras.
Se a polícia liberta o suspeito - sobretudo porque as crianças ouvidas tinham contado pormenorizadamente como haviam sido molestadas na cave da casa, que nem sequer possuía esse tipo divisão - só a coragem com que impõe a sua presença ensanguentada aos vizinhos consegue demovê-los da imagem que dele haviam criado.
Um ano depois, a passagem de Marcus pela cerimónia iniciática de receção da sua primeira arma de caça mostra Lucas novamente integrado na coletividade, cumprimentando e sendo cumprimentado por quem o humilhara e agredira. Tememos o pior: será que, depois de nos causar tal indignação, vêm-nos convencer do happy end? Felizmente que não é assim: na primeira sessão de caça de Marcus um tiro perto de si alvoroça Lucas, que se imagina na mira de um inimigo por identificar. A imaginação traía-o, mas espelhava, igualmente, a sensação de insegurança de que nunca mais se livrará. Porque ninguém pode fiar-se na sua inocência para se ver livre da acusação coletiva das piores vilanias.
É essa a conclusão a retirar do filme «A Caça», que Thomas Vintenberg rodou em 2012 e deveria ser de visão obrigatória para quem menos defesas apresenta para funcionar como peão de manobras pérfidas do fascismo mais ordinário.

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