domingo, junho 17, 2018

(DL) Recordar Urbano Tavares Rodrigues pelas imagens de Possidónio Cachapa


Só dez anos depois de estreado é que consegui ver o «Adeus à Brisa», filme que o Possidónio Cachapa realizou com o apoio de Cláudia Varejão na câmara, para homenagear Urbano Tavares Rodrigues numa altura em que, já muito adoentado, ele mal saía de casa.
Compreende-se, pois, que todas as intervenções do escritor - que não naturalmente as de arquivo! - tenham sido circunscritas a esse espaço fechado no qual recordou as diversas fases da vida desde a infância partilhada com o irmão Miguel na quinta da família no Alentejo até ao júbilo suscitado pela Revolução de Abril sem esquecer de permeio as vicissitudes do seu antifascismo, que o levaram à prisão, á tortura e a uma contínua perseguição pelos esbirros do salazarismo.
Nessas conversas com o realizador, cuja presença só se adivinha por trás da câmara, Urbano não evita o que mais lhe terá sido doloroso: as divergências com os seus próprios camaradas no Partido, sobretudo porque nem esteticamente se sentiu alguma vez próximo dos neorrealistas, nem a União Soviética se lhe afigurou como um paraíso na Terra, já que as viagens ali efetuadas tinham-lhe servido para constatar as grandes diferenças entre a realidade e a que era descrita pelas guias disponibilizadas para lhe mostrarem aquilo que o regime mais gostaria de enfatizar.
De permeio surge Miguel a reconhecer que o irmão aderira aos ideais comunistas mais pelo coração do que pela razão, enquanto João de Melo lembra como era Urbano o que maior entusiasmo denotava no dia 28 de abril de 1974, quando o vira na Estação de Santa Apolónia, à chegada de Mário Soares e de Tito de Morais vindos do exílio.
Acabando por desaparecer em agosto de 2013 Urbano deixou uma vasta obra, que merece ser lida e relida, porque, além de muito bem escrita, testemunha o que foram os anos negros do salazarismo, embora também se tenha alargado para temas históricos ou transversalmente mais universais, que lhes obvia o risco de virem a parecer excessivamente datados.
De Urbano fica a memória do corajoso lutador, que nunca virava a cara a uma boa disputa física com quem o ofendia ou se lhe revelava um crápula, mas ao mesmo tempo simpatiquíssimo no trato a ponto de, muitas mulheres, o recordarem como um terno sedutor.

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