quarta-feira, junho 06, 2018

(DIM) «Feios, Porcos e Maus» de Ettore Scola (1976)


Em junho o Cineclube Gandaia inicia uma abordagem ao universo cinematográfico de Ettore Scola tomando como ponto de partida o filme com que ele ganhou o Prémio de Melhor Realização no Festival de Cannes de 1976.
Quando pegou no projeto, que resultaria depois neste filme, Scola anteviu-o como um documentário. A intenção seria a de mostrar a vida difícil de um lúmpen atraído para a capital italiana ou para as cidades industriais do norte de Itália, não só incapaz de encontrar empregos minimamente remunerados, como habitações dignas desse nome. A ideia de passagem à ficção aconteceu posteriormente comportando uma intervenção inicial de Pier Paolo Pasolini, que olharia para os espectadores diretamente nos olhos e os sensibilizaria para o genocídio cultural, que estava a acontecer desde que, em 1962, rodara «Mamma Roma»: a sociedade de consumo estava a estupidificar os explorados, insensibilizando-os para a consciência de classe, que deveriam manter para melhor reagirem às iniquidades a que se sujeitavam. O crime horrendo, que vitimou o realizador de «Saló ou os 120 dias de Sodoma» inviabilizou essa cena de abertura. Ficou só a sátira sórdida e amoral sobre o alucinante quotidiano de uma família miserável a viver num bairro da lata com vista para a cúpula da Catedral de São Pedro, mas nem por isso menos afundada no Inferno. Este é, de facto, um filme à medida da frase que Dante encontrou quando, guiado por Vergílio, foi conhecer as profundezas onde se castigavam eternamente os pecadores: ali à porta poderia deixar qualquer réstia de esperança, porque só depararia com a mais irremediável miséria humana.
Giacinto Mazzatella é o patriarca de uma família disfuncional, que vive de expedientes, prostituição e de outras variantes de atos delinquentes, e focalizada no milhão de liras por ele recebido a título de indemnização pelo acidente de trabalho, que o cegara de um olho. Temendo ser roubado ele passa o tempo a mudar o pecúlio de esconderijo até quase perder a lembrança de onde o guardara a última vez. O pior acontece quando se apaixona por uma meretriz obesa diretamente transferida do universo felliniano - uma referência tão constante de Scola, que a ele dedicaria o seu último filme! - e, de sovina passa a esbanjador em sua intenção. Razão para se ver alvo de atentado por quem o acusa de pai indigno e marido infiel.
Estamos nos antípodas da representação do operário dos filmes neorrealistas das décadas de 40 e 50. A honradez de outrora, quantas vezes complementada de um orgulho de classe, vê-se substituído pelo mero instinto de sobrevivência caracterizado por esta regra: quando nada se tem até os últimos laivos humanistas desaparecem das consciências, restando a brutalidade, a avidez e a concupiscência.
O resultado é vermo-nos continuamente desafiados por um espetáculo degradante, que nos incomoda e onde não se perspetiva qualquer redenção.

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