segunda-feira, junho 11, 2018

(EdH) Cabora Bassa: a miopia de um fascismo ordinário em iminente estertor


Na época marcelista, quando o fascismo luso dava sinais de acelerada degenerescência, não passava semana alguma sem que se ouvissem elogios enfáticos ao projeto de Cabora Bassa. Os locutores do regime multiplicavam-se em adjetivos demonstrativos da determinação colonialista em manter as colónias e nelas investirem fortunas, que possibilitariam o seu desenvolvimento.
Acordando tarde para a inevitabilidade das dinâmicas independentistas dos movimentos de libertação africanos, o regime prometia investimentos de uma dimensão, que em nada se assemelhavam aos ali aplicados nas décadas anteriores, quando apenas a exploração das riquezas mais rentáveis estavam em equação.
Entre os séculos XVI e XVIII os portugueses tinham ocupado parcialmente a bacia do rio Zambeze, confrontando-se com as aristocracias locais e com os mercadores árabes pelo controle do negócio do ouro e dos escravos. Depois as matérias-primas exploradas viriam a ser a borracha, o carvão, a copra e as oleaginosas.
Em 1891, consumado o Ultimato, que cerceou as veleidades da monarquia lusa relativamente às terras englobadas no Mapa Cor-de-rosa, a exploração da bacia do rio fora negociada entre quem a reivindicava como exclusivamente sua: as coroas portuguesa e britânica.
No meio século seguinte o equilíbrio entre as potências coloniais não se alterou ate que, após a II Guerra Mundial, foi concebido o grande plano hidroelétrico de Cabora Bassa para regular os caudais do rio, regar as culturas e exportar energia para os «países «amigos» - a Rodésia e a África do Sul. Nas sucessivas fases do seu desenvolvimento, o ambicioso projeto pretendia fixar um milhão de colonos na região, impedindo que a cada vez mais ativa Frelimo descesse para o centro e o sul do país.
A importância de levar por diante o projeto não foi consensual dentro do regime: alguns consideravam inútil tal despesa, porventura cientes da inevitabilidade do rumo para onde a História evoluiria. Eram, porém, mais numerosos os que se iludiam com a possibilidade de ela retroceder conquanto pusessem rapidamente a barragem a reter as águas, a central hidroelétrica a produzir energia e os colonos brancos a imporem um crescimento económico, que bastasse para cativar em seu apoio as populações nativas a quem dariam emprego remunerado. Baltasar Rebelo de Sousa, o pai do atual inquilino de Belém, era um dos mais entusiastas promotores dessa perspetiva colonialista.
A partir de 1969, quando se assinaram os contratos com a empresa construtora e com a que viria a explorar o novo equipamento, e sobretudo a partir de 1972, quando o porto da Beira já conhecera obras de monta para receber as peças de enorme dimensão importadas da Europa para a montagem no local, as obras ganharam ritmo significativo. Mas, politicamente, e sobretudo a nível militar com o rotundo fracasso da Operação Nó Górdio com que Kaulza de Arriaga julgara possível vencer a guerra, a situação conheceu sucessivos agravamentos: em julho desse mesmo ano de 1972, a Frelimo já avançara para Tete e para as até então inexpugnáveis províncias de Manica e Sofala. Em breve a própria Cidade da Beira já estava a contas com as ações de guerrilha, que intimidavam a população. Ademais, a nível internacional, o regime via-se acossado pelo escândalo provocado pelas chacinas perpetradas pelos Comandos em Mukumbura e Wiriamu, que se haviam saldado por centenas de mortes nas populações africanas. As denúncias do Padre Hastings nas Nações Unidas transformaram a viagem de Estado de Marcelo Caetano a Inglaterra num doloroso calvário para um político enfim desmascarado como inábil na condução do fim de um regime ao qual prometera aligeirar os mais hediondos contornos, mas de cuja substância nada de essencial alterara. A suspeita em como seria menos radical na autocracia, possibilitando uma ilusória primavera, revelara-se mera ilusão...
O Acordo de Lusaca reconheceu a independência do novo estado moçambicano, com a correspondente titularidade dos equipamentos, então ainda em fase de montagem. Os empréstimos contraídos para a construção continuariam a ser responsabilidade de quem os contraíra, ou seja do estado português. Mas, devido à Guerra com os terroristas da Renamo, só na década de 90 se concluíram os trabalhos e se iniciou a produção de energia. Os que tinham imaginado a obra não poderiam imaginar que ela levaria tantos anos a concluir-se, mudaria de nome para Cahora Bassa e serviria de imprescindível valência de desenvolvimento de Moçambique enquanto estado independente.

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