terça-feira, junho 05, 2018

(DL) «As coisas que perdemos no fogo» de Mariana Enriquez


Mariana Enriquez nasceu em 1973 em Buenos Aires, durante a ditadura militar, e é a autora de «As Coisas que perdemos no fogo», livro editado entre nós no ano transato.  Apesar de ser uma antologia de contos inseríveis no género fantástico, por eles passam muitos ecos desse regime criminoso de que a Argentina só se livrou quando ela tinha dez anos.  Os monstros, sobrenaturais ou não, remetem para a crueldade então reinante de que uma das mais horríveis expressões foi a dos presos políticos torturados, assassinados e depois desaparecidos, seja por terem sido despejados no alto mar, seja em valas comuns ainda por identificar. Daí que, nalguns dos contos do livro, haja personagens a desaparecerem sem explicação.

Quando conta como foi a infância a escritora lembra a avó, cujas superstições a fascinavam por estarem relacionadas com as lendas e os animais mitológicos da região guarani.  Essas estórias eram-lhe mais gratas do que as da realidade, porque as sabia falsas comparativamente com as que tinham rostos e nomes efetivamente conectados com um sofrimento concreto. Pesadelos por pesadelos, antes os que desapareciam na espertina das horas diurnas, altura em que ouvia referências aos vividos por quem os pais manifestavam preocupação.
São também histórias onde os homens não são vistos com grande bonomia: se não são brutais ou repugnantes, mostram-se no mínimo como aborrecidos ou mesquinhos. E acabam, amiúde, de forma tão brusca, que nos interrogamos se não teria valido a pena a autora trabalhá-los um pouco mais para lhes atribuir a dimensão da novela ou do romance. Mas como não respeitar as opções narrativas de quem toma como referências os grandes nomes da literatura do sul dos EUA (Faulkner, McCarthy ou McCullers), mas sobretudo esse modelo de concisão chamado Júlio Cortazar?

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