Numa estrada desolada da província de Jalisco, Juan Preciado e o seu burro dirigem-se para Comala onde o pai, Pedro Páramo, é o cacique local. Para o rapaz trata-se de cumprir a promessa feita à mãe no seu leito de morte e exigir os direitos, que lhe assistiriam enquanto herdeiro da fortuna por ele acumulada.
No caminho encontra um estranho sujeito, que saberá depois tratar-se de um antigo amansador de éguas, e por ora disposto a levá-lo à aldeia.
A surpresa é grande quando dá com Comala praticamente deserta à exceção de uma velha, que o alberga por ter recebido, entretanto, o pedido da mãe, sua amiga de infância. Mais surpreendente é ainda a outra informação, que lhe dá: o homem com que viera até ali já morrera há muito tempo, sendo apenas o primeiro dos fantasmas com que Juan se cruzará daí por diante.
Mas fantasmas é algo que na cultura mexicana tem todo o cabimento ou não seja essa a civilização que celebra anualmente os seus mortos com grandes celebrações nos cemitérios?
Este ponto de partida para a mais recente peça em cena naquela que Miguel Seabra qualifica como a melhor sala de espetáculos do Poço do Bispo, constitui o tema de um dos mais importantes marcos da literatura latino-americana por ser um dos textos fundadores do “realismo mágico” de que Gabriel Garcia Marquez viria a ser um dos seus máximos cultores.
Ao contrário do que estamos habituados em que uma história tem um fio condutor mais ou menos cronológico, Juan Rulfo, o autor do livro publicado em 1955, assume uma desordem deliberada com justaposições temporais em que cirandamos por vários tempos até eles deixarem de ter qualquer importância e assistirmos ao percurso de Pedro Páramo como se ele vivesse num limbo sem início nem fim.
Por outro lado se começávamos por ver em Juan Preciado o protagonista da história, não tardará que ele se transforme em mais um fantasma dos muitos, que assombram o palco do Meridional.
Pedro Páramo é quem sobressairá na sua arrogância e cupidez, capaz de conquistar vastos domínios graças às alianças estabelecidas (uma delas resultara no efémero casamento com a mãe de Juan), a muitas formas de intimidação que chegavam ao homicídio e à capacidade para virar a seu favor as aparentes contrariedades do destino. Por exemplo, quando a Revolução dera esperanças a quantos o tinham odiado, ele conseguira virar a relação de forças comprando os «defensores dos pobres» e colocando-os ao seu próprio serviço.
Comala submetera-se aos seus caprichos de tirano e aos seus apetites sexuais. Por isso mesmo a sua morte significará o fim da própria cidade. Com o paradoxo de ele só acabar vencido pela própria morte, passando os derradeiros dias assombrado pela imagem da única mulher que amara.
Aparentemente «Pedro Páramo» teria pouco a ver com as nossas preocupações atuais. Mas, na realidade, estão nesta história muitas das grandes questões, que nos preocupam no dia-a-dia: o poder exercido sem escrúpulos, a passividade dos humilhados e ofendidos, as contradições dos supostos «defensores do povo» para não falar das preocupações metafísicas ligadas à vida e à morte.
Soturna ao longo das suas quase duas horas de duração, a peça conta com a interpretação superlativa de todo o elenco com destaque para Ivo Canelas, Nuria Mencia, Carla Galvão, Romeu Costa e Natália Luisa.
A cenografia é básica, que os tempos não estão para extravagâncias e, ademais, num grupo sempre apostado na itinerância, até se compreendem as soluções facilmente desmontáveis e transferíveis para outros palcos, nacionais ou estrangeiros.
Até 12 de outubro fica a oportunidade para assistir a mais uma excelente demonstração da vitalidade do Teatro Meridional...
Sem comentários:
Enviar um comentário