Pessoalmente será difícil que venha a esquecer um determinado dia de julho de 2010, quando saía de um restaurante grego de Marylebone Road e a Elza, que se adiantara a chegar à rua, me apertou a mão para chamar a atenção de quem connosco se estava a cuzar tomando a direção da Regent Street, e vinda dos lados de Camden onde morava.
Com o seu penteado característico e seguida de um dos seus guarda-costas Amy Winehouse denotava alguma dificuldade em manter um rumo certo para os seus passos e desapareceria do nosso olhar atento, quando virou para os lados de Piccadilly Circus.
Esse deixou de ser o dia em que estivéramos numa das mais elevadas colinas de Londres (Primrose Hill), percorrêramos o Regent Park ou andáramos a passear o olhar pelas muitas obras da Wallace Collection, porque passou a ser aquele em que estivémos cara-a-cara com Amy Winehouse. Mesmo sem adivinharmos que, daí a um ano, ela morreria de forma trágica desmentindo quem não queria acreditar num desenlace à medida de outros grandes nomes da música também desaparecidos aos 27 anos.
Há três dias ela teria comemorado o seu 31º aniversário e poderíamos imaginar que, houvesse-se livrado da dependência do álcool como, em princípio, já se conseguira afastar das drogas, e contaríamos com novos temas entoados pela sua notável voz. Porque essa era a fonte do seu talento: já aos 16 anos conseguira perturbar grandes músicos de jazz sobre a capacidade para cantar os grandes standards com a voz de uma negra quinquagenária.
É essa uma das virtudes do documentário hagiográfico de Andreas Kanonenberg: estabelecer-lhe o percurso biográfico desde o nascimento numa família judia da classe média do norte de Londres, em que a mãe era farmacêutica e o pai motorista de táxi, até ao dia 23 de julho de 2011, quando os guarda-costas deram com ela definitivamente inanimada, com uma dose letal de álcool.
Terá sido o pai, Mitch, um grande apreciador de jazz, a dar-lhe a conhecer os grandes temas de Ella Fitzgerald, Frank Sinatra ou Tony Bennett. Mas a jovem Amy viverá como uma terrível provação a separação dos progenitores, quando tinha 9 anos. Agravar-se-ão nessa altura os problemas na escola, já que era difícil discipliná-la, tanto mais que o seu prazer resumia-se a cantar.
Por isso mesmo a mãe convence-a a matricular-se numa escola do tipo do nosso Chapitô, onde revela um enorme talento nas artes performativas, mas um desinteresse total pelas outras cadeiras ali lecionadas. Mas datam de então as mais antigas imagens disponíveis da sua atuação face a um público.
Através das sucessivas entrevistas com os pais, com a melhor amiga, com produtores dos seus discos, com o empresário e um dos músicos com que trabalhou, podemos compreender um pouco melhor a sua personalidade complexa, impelida para os infernos da toxicodependência pela relação amorosa com Blake Fielder. Será ele, decerto, um dos principais responsáveis pelo ciclo de autodestruição, que ela iria conhecer até ao último dos seus dias.
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