Estive em muitos sítios de quase todos os continentes, que concluí não ter visto com a necessária atenção e conhecimento, por me faltar então a informação adequada para que melhor interpretasse quanto tinha ao alcance do meu olhar.
Recuperei essa ilação, já há muito pressentida, ao ver este documentário de quase duas horas sobre a Bacia de Arcachon, uma zona lacunar perto de Bordéus.
E, no entanto, ela já me ficara como experiência vivida inolvidável, sobretudo quando estivéramos na base da duna de Pyla e a quiséramos ascender a partir da praia.
O esforço demorara uma boa meia hora até nos julgarmos chegados ao seu cume. Só que, vencido esse exigente declive, deparámo-nos com outro cume, ainda mais acima e para o qual já não nos sobrou vontade para prosseguir no afã de alpinistas.
Comodamente pegámos no carro, fomos dar a volta pela estrada que conduzia ao verdadeiro cume e de lá pudemos apreciar Cap Ferret, do outro lado da laguna, e todo o delta até ao Atlântico.
A duna de Pyla aparece em todo o esplendor logo no primeiro quarto de hora deste documentário, que a ela regressa amiúde ou não se trate de um dos fenómenos mais singulares da região. Até por constituir um dos principais elementos da enorme dinâmica, com que ventos, ondas e outras formas de erosão vão redesenhando continuamente a paisagem.
Terá sido essa alteração progressiva, que fez afundar a dez metros de profundidade as muralhas ali levantadas pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial e que integravam o ambicioso Muro do Atlântico.
Exemplo dessa ignorância perante o que estávamos a ver não imagináramos que os vestígios ainda ali encontrados à superfície das areias da praia testemunhavam um dos momentos determinantes da História da Segunda Guerra Mundial.
Na altura a laguna, que ocupa umas dezenas de quilómetros quadrados, ainda não merecera o reconhecimento de parque natural marítimo por abrigar uma enorme variedade de paisagens, de espécies animais, de atividades e de pessoas ancoradas à realidade dessa bacia.
Durante um ano a equipa de filmagens, dirigida por Philippe Lespinasse andou a entrevistar uns quantos apaixonados por esse mundo fechado, quase cingido a si mesmo. Encontramos, assim, os carpinteiros incumbidos de construir belíssimas vivendas em madeira com recurso a materiais apenas dali extraídos e que, à hora do almoço, vão praticar surf.
Há também o fotógrafo Vincent Scotto, que percorre essas paisagens a partir de um pequeno avião donde extrai imagens de uma beleza quase irreal. E o arqueólogo Philippe Jacques, apostado em resgatar da duna os vestígios das populações, que aí viveram na Idade do Ferro, enquanto ao mesmo tempo os colegas especializados em arqueologia marinha exploram os bunkers do III Reich.
Outro «muro» é o dique que Benoit Bartherotte anda a tentar construir no lado de Cap Ferret para estancar a erosão do litoral e preservar o seu cantinho paradisíaco, nem que para tal já tenha gasto entretanto a fortuna acumulada quando rivalizava com Yves Saint Laurent no mundo parisiense da alta costura. E não esqueçamos ainda os produtores de ostras, que continuam a dar vida a uma das atividades mais emblemáticas da região.
Como costuma acontecer nos filmes transmitidos pelo programa «Thalassa» da televisão francesa, este muito se recomenda.
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