sexta-feira, setembro 05, 2014

FILME: «Shane» de George Stevens (1952) - II

Em «Shane» a morte surge na personagem do assassino contratado Wilson, interpretado por Jack Palance, que constitui o reverso maléfico do protagonista. Tudo nele representa o estereotipo do vilão: a forma de vestir, de andar, de montar a cavalo, de falar, de sorrir e até de matar: a cena em que elimina Elisha Cook numa rua lamacenta é de uma violência radical, que viríamos a reencontrar nos filmes de Peckinpah ou de Eastwood dos anos 70.
Mas engana-se quem julga haver aqui algum fascínio pela violência: desde que viera da Segunda Guerra Mundial, George Stevens já não a podia suportar e só a procurava estigmatizar através de um realismo o menos heroico possível.
Daí que não se possa falar de um verdadeiro maniqueísmo: é a perceção da criança que se deixa iludir por tal tentação. A par das paisagens magnificas potenciadas pelo recurso frequente à teleobjetiva (o que possibilita uma aproximação visual das majestosas montanhas de Teton Valley!), o vestuário e a faina quotidiana na quinta são mostrados com invulgar veracidade. E os personagens denunciam uma complexidade, que é inacessível a Joey.
Shane, o “modelo perfeito”, denota um secretismo tal que nada ficamos a saber do seu passado misterioso. Só lhe adivinhamos a consciência pouco tranquila, quando o mínimo ruído o faz sobressaltar. A sobriedade  - alguns diriam inexpressividade! - de Alan Ladd adequa-se bem ao personagem por muito que ele não suscite grande empatia.
Marian, por seu lado, revela-se bem mais do que a esposa devotada e a mãe extremosa, quando se constata quanto aquele homem misterioso a faz sonhar com horizontes longínquos. Lamentar-se-á, porém que, para o seu derradeiro desempenho cinematográfico, Jean Arthur pareça demasiado envelhecida para a personagem, já que contava então 52 anos. O que Stevens terá trabalhado para diluir essa ideia nos grandes planos, que lhe captava!
O personagem do pai, representado por Van Heflin permitirá a reflexão sobre o heroísmo: será necessária a violência? Será imprescindível recorrer a ela para que o filho admire o pai?
Mais arriscada é a aposta do argumentista A.B. Guthrie Jr. para com o personagem de Ryker,o líder dos criadores de gado: ele chega quase convence-nos da sua razão, porque juridicamente seria ele a ser reconhecido na legalidade das suas exigências, quando vai á quinta dos Starrett. Não contasse com o inquietante Jack Palance a seu lado e alinharíamos pela sua perspetiva.
Chris Calloway, outro dos criadores de gado, representado por Ben Johnson, transmutar-se-á do bruto da cena de pugilato quase do início do filme para o homem sagaz, que virá alertar os lavradores da ameaça iminente.
Quanto a todos estes personagens estamos, pois, bem distantes da aparente simplicidade do início.
Em balanço, «Shane» revela-se obra charneira no género, abrindo caminho para o maior realismo e violência dos filmes dos cineastas dos anos 60.
É claro que podemos reconhecer que perde tensão  a meio e que com outro, que não Stevens, fosse menos pomposo e mais homogéneo no seu ritmo. Mas, ainda assim, este foi o tempo dos adeuses a uma certa forma de inocência tão perdida quanto a do jovem Joey.



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