domingo, agosto 31, 2014

 LIVRO: «A Mancha Humana» de Philip Roth (VI)

A relação amorosa entre o professor Coleman e Faunia vê-se seriamente condicionada, quando a despeitada Delphine Roux trata de espalhar anonimamente a sua interpretação sobre o que está em causa: depois de ter saído da Universidade de Athena devido a um claro delito de racismo, o velho professor estaria a aproveitar-se da personalidade simplória de uma antiga subordinada.
Não é apenas a comunidade universitária a olhá-los de soslaio, também os filhos dele e o ex-marido dela os agridem verbalmente ou de facto:
“Quem são eles agora? A versão mais simples possível de si mesmos. A essência da singularidade. Tudo quanto é doloroso cristalizado em paixão. Podem até já não lamentar que as coisas não sejam diferentes. Estão por de mais entrincheirados na indignação para se preocuparem com isso. Saíram de baixo de tudo quanto jamais se acumulou sobre eles. Nada na vida os tenta, nada na vida os excita, nada na vida mitiga o seu ódio pela vida como esta intimidade.” (pág. 218)
Coleman e Faunia são vítimas da maldade dos que advogam o «politicamente correto» tolhidos por uma visão preconceituosa daquilo que julgam ver.
Nathan Zuckerman, que escreve o com eles sucedido depois de terem morrido num acidente de viação e obviamente encenado como tal para esconder a sua real natureza homicida, vê-os pela última vez durante um ensaio geral da Orquestra Sinfónica de Boston. E é então que vai suspeitar de algo até então inimaginável, mas que ganhará particular relevância já depois da sua morte: “Este homem idealizado de acordo com os mais convincentes e credíveis traços emocionais, (…) este homem benignamente astucioso, suavemente encantador e aparentemente vital  em todos os aspetos, tem, no entanto, um segredo imenso. Como chego a essa conclusão? Porquê um segredo? Porque está ali, sente-se quando ele está com ela. E também quando não está com ela. É no segredo que reside o magnetismo dele. O que fascina é qualquer coisa que não está ali, e é isso que me tem atraído desde o início, o enigmático não sei quê que ele mantém à parte, que reserva como seu e de mais ninguém.” (pág. 228)
Mas não é só Coleman a esconder a sua essência mais íntima: a própria Faunia é muito mais inteligente e complexa do que os outros imaginam. Na realidade ela ostenta uma máscara eficiente, que julga adequada à sua preocupação de sempre: sobreviver a circunstâncias invariavelmente desfavoráveis. Que esconde a sua natureza com tanto de niilista como de exuberantemente sensual:
“Essa era, naturalmente, a visão de Faunia a esse respeito: as criaturas inevitavelmente manchadas que nós somos. Resignada com a horrível imperfeição elementar. Ela é como os Gregos de Coleman. Como os seus deuses. Eles são mesquinhos. Brigam. Lutam. Odeiam. Assassinam. Fodem. Deus não quer fazer outra coisa senão foder - deusas, mortais, bezerros, ursas, - e não apenas na sua própria forma, mas também. ainda mais excitantemente assumindo a forma visível de animal. Para manter colossalmente uma mulher como um touro. Para a penetrar excentricamente como um cisne branco de asas agitadas. Nunca há carne suficiente para o rei dos deuses, nem carne nem perversidade. Toda a loucura que o desejo gera. A devassidão! A depravação. Os prazeres mais grosseiros. E a fúria da esposa que tudo vê (…) Deus devasso. Deus corrupto. Um deus da vida, se algum houve. Deus à imagem do homem. (pág. 258)

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