sábado, agosto 02, 2014

LEITURAS: «Teatro de Sabbath» (V) de Philip Roth

No texto anterior tínhamos visto como, abalado por um escândalo sexual que chocara toda a comunidade em que vivia e  pela morte da amante, Mickey Sabbath saira do conforto do lar, totalmente sustentado pela sua mulher, e voltara à Nova Iorque da sua juventude, sob o pretexto do funeral de um dos antigos empresários do teatro onde conhecera o seu apogeu profissional.
A morte surge-lhe como uma saída inevitável: “E depois, que importa que tenha levado uma vida estúpida? Qualquer pessoa com alguma inteligência sabe que está a levar uma vida estúpida mesmo enquanto está a levá-la. Qualquer pessoa com alguma inteligência compreende que está destinada a levar uma vida estúpida porque não há outra espécie de vida”. (pág. 226)
É Norman, outro dos seus produtores de então, que o recebe em sua casa: “Sabbath não podia voltar para trás. Roseanna não o quereria  em casa e Mathew Balich descobrira tudo e estava suficientemente furioso para lhe dar cabo do canastro. Não tinha para onde ir e nada que fazer. Se Norman não dissesse: ‘Muda-te para cá’ estaria liquidado!” (pág.162)
Mas, mesmo em casa do anfitrião, Sabbath não resiste à descontrolada libidinosidade: masturba-se com a roupa interior da filha mais nova e não resiste em assediar-lhe a esposa, sobretudo depois de lhe descobrir alguns pecados privados em forma de fotografias nas suas gavetas do quarto: “o riso dizia que ela estava farta de ficar, farta de fazer planos para partir, farta de tudo, farta de sonhos não realizados, farta de se adaptar, praticamente farta de tudo, exceto de existir. Exultante por existir embora farta de tudo: era isso que aquele riso continha”. (pág. 331)
Entusiasmado com a possibilidade de a possuir, Sabbath dá asas à imaginação: “ Nada comove tanto Sabbath como estas brasas a envelhecer com os seus passados promíscuos e as suas bonitas e jovens filhas. Sobretudo quando ainda têm a capacidade de rir como esta.” (pág. 332)
Michelle irá, de facto, fascinar Sabbath numa dimensão só conhecida outrora com Nikki, e mais recentemente, com Drenka: “O que é a felicidade? A substancialidade desta mulher. A combinação que ela era. O espírito, o denodo, a astúcia, o tecido adiposo, a singular indulgência com palavras pretensiosas, aquele riso sublinhado com vida, a sua responsabilidade para com tudo, sem excluir a sua sensualidade - era uma mulher com envergadura. (pág. 361)
Mas, quando julgava iminente a consumação desse desejo, Sabbath depara com a ordem de Norman para que saia de casa: a masturbação nas cuecas de Debby, o crack no bolso do casaco e a “brincadeira” debaixo da mesa de jantar com o pé dele julgando tratar-se do de Michelle, eram motivos bastantes para essa expulsão.
O suicídio passa a ser a partir dali a sua única opção. Por isso vai ao cemitério judaico de New Jersey onde estavam sepultados os país, os avós e o irmão Morty, para tratar da compra da própria sepultura.
“Apesar da lixeira do outro lado da rua, da cerca em mau estado atrás e do portão de ferro ferrugento e tombado a um dos lados, cresceu nele o orgulho do proprietário, por muito pobre e insignificante que aquele pedaço de solo arenoso parecesse, ali na beira da fila de sepulturas individuais relegadas para a margem do cemitério”. (pág. 402)
Para seu epitáfio, Mickey não podia ser mais lapidar: “Morris Sabbath. Mickey. Amado frequentador de bordéis, sedutor, sodomita, abusador de mulheres, destruidor da moral, desencaminhador de jovens, uxoricida. Suicida. 1929– 1994.” 


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