Philip Roth é um grande escritor norte-americano, que muitos teriam gostado de ver consagrado com o Nobel, mas a exemplo de outros casos famosos (Borges, Amado, Greene) sempre foi preterido pela Academia Sueca tantas vezes tentada a consagrar autores facilmente olvidáveis depois de alguns efémeros momentos de glória.
De origem judaica, Roth sempre questionou o puritanismo sexual e o conservadorismo da sociedade onde cresceu, quantas vezes tentada a formas de ostracização, que dá dela uma imagem oposta à da terra das oportunidades.
«A Mancha Humana» tem a ver precisamente com preconceitos e segregação dos que são tidos como diferentes do que se convencionou como padrão. Por isso mesmo constitui um dos livros mais interessantes de Roth, inserido que está num dos seus ciclos mais representativos: aquele em que o narrador é o escritor Nathan Zuckerman, alter ego do autor.
No texto anterior esse personagem conhecera e tornara-se amigo de Coleman Silk, um velho professor da universidade de Athena de que se demitira depois de denunciado por supostos comentários racistas proferidos no início de uma das suas aulas. Era a esse lamentável episódio - uma mancha indelével no seu irrepreensível currículo académico - que ele atribuía a doença fulminante e a morte da sua esposa de muitas décadas.
Fora aliás na mesma tarde em que Iris morrera e a insanidade se apoderara de si, que Coleman aparecera em casa de Zuckerman, em quem ele esperava encontrar um determinado tipo de apoio: “Eu tinha de lhe escrever qualquer coisa, quase me ordenou que o fizesse. Se fosse ele a escrever a história em todo o seu absurdo, sem modificar nada, ninguém acreditaria, ninguém a levaria a sério, as pessoas diriam que se tratava de uma mentira ridícula, um exagero em benefício próprio, diriam que, como se não bastasse ter proferido a palavra ‘spooks’ numa dala de aula, também tinha de mentir quanto à sua queda. Mas se eu a escrevesse, se um escritor profissional a escrevesse…” (pág. 23)
Para a campanha, que o deixara sem apoio perante a acusação de racista, Coleman encontrara uma possível explicação nas decisões que tomara quando era reitor: “ sob a sua direção as promoções tornaram-se mais difíceis, e esse foi, talvez, o maior de todos os choques: as pessoas deixaram de ser promovidas automaticamente por categoria, com base no facto de serem professores populares, e não obtinham aumentos de ordenado que não correspondessem ao mérito. Em resumo, introduziu a competição e tornou a universidade competitiva, o que, com um dos primeiros inimigos observou, ‘é o que os judeus fazem’” (pág. 21)
Nos dois anos seguintes, Zuckerman convivera frequentemente com o amigo embora sem se dispor a avançar para o texto salvífico, que ele lhe pedira. Muito embora fosse notando os efeitos devastadores suscitados pelo ostracismo de que se via alvo na pequena cidade universitária:
“Há algo de fascinante no que o sofrimento moral pode fazer a alguém que nada indicia ser uma pessoa frágil ou fraca. É uma coisa ainda mais insidiosa do que a doença física pode causar, pois não há perfusão de morfina, epidural ou cirurgia radical que possam aliviá-la. Quando caímos nas suas garras dir-se-ia que só nos libertaremos dela se nos matar.” (pág. 24)
Quando o ia visitar nas noites de sábado, Zuckerman via-o mergulhado numa “humilhante ignomínia que continuava a consumir alguém ainda cheio de vitalidade. O grande homem derrubado ainda a sofrer a vergonha da queda. “ (pág. 30)
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