sábado, agosto 23, 2014

LIVRO: «Fonds perdus» de Thomas Pynchon

Todos os anos, por esta altura, o meio editorial francês entra em ebulição com o lançamento quase em simultâneo das novidades literárias. É a «rentrée» no seu esplendor.
Este ano um dos grandes motivos de interesse é o da tradução de «Bleeding Edge», o romance de Thomas Pynchon lançado em setembro passado pela Penguin em Nova Iorque.
O autor suscita sempre um enorme interesse não só por ser um dos nomes potencialmente nobelizáveis acaso a Academia Sueca se decida a premiar um americano, mas também pela sua personalidade, sempre avessa a entrevistas ou a quaisquer outros contactos com a imprensa ou com os leitores.
Mas é o estilo de Pynchon, que o transforma num escritor diferente de todos os outros ao incluir dezenas, senão mais de uma centena de personagens nos seus romances e ao enleá-los numa teia complexa aonde as novas tecnologias ganham particular importância. «Bleeding Edge»  confirma-o ao abordar as obscuras transferências de capitais pouco antes dos atentados do 11 de setembro
Tudo começa no primeiro dia de primavera de 2001, quando a protagonista, Maxine Tornow, está a iniciar um novo dia: terá de levar os filhos à escola antes de ir trabalhar na sua empresa especializada em movimentos contabilísticos. É então procurada por Reg Despard sobre as estranhas transferências de dinheiro para contas sedeadas em países árabes através da empresa de segurança de computadores de Gabriel Ice.
Logo entramos num universo de ilusões e aparências onde os vestígios de movimentos são apagados tão só se detetam a sua procura. Tanto mais que da realidade física não tardamos a mudar-nos para outras plataformas onde o pixel se converteu na unidade padrão e onde quem se aproxima demais da verdade é apagado.
Temos uma parte significativa do romance passada nas profundezas da web, onde, graças a um programa de exploração indetetável (uma second life antes do tempo) os personagens agem através dos seus avatares. E onde se refugiam hackers anarquistas, vigaristas e almas perdidas.
E se, de entre esses mais de cem personagens, encontramos perfis singulares! Dwayne Z. Cubitts, por exemplo, que está no centro da intriga logo à partida e se volatiliza para reaparecer quase no final munido de um falso anel de invisibilidade. Ou Conkling Speedwell, que ajuda a resolver a investigação através de uma particularidade muito especial: o nariz com que cheira a cena de um crime e consegue imaginar o ali sucedido de acordo com a sua memória olfativa.
Durante todo o seu romance Pynchon irá manipular os leitores com a inteligência desconcertante com que comanda os personagens. E será essa característica, que torna a sua leitura fascinante.


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