terça-feira, agosto 12, 2014

FILME: «Morangos Silvestres» de Ingmar Bergman

Em 1957 Ingmar Bergman roda dois dos seus filmes mais superlativos de toda a sua filmografia: “O Sétimo Selo” e «Morangos Silvestres». À beira de entrar nos 40 anos de vida a ideia da morte torna-se-lhe quase obsessiva e ambos os títulos refletem isso mesmo.
O personagem principal é Isak Borg, um médico prestigiadíssimo e por isso mesmo à beira de ser consagrado com uma cerimónia na Universidade de Lund. Quem interpreta esse papel é Victor Sjöstrom, o grande pioneiro do cinema sueco, que aqui se despede da melhor maneira de toda uma vida dedicada à sétima das artes.
O sonho que  ele conta em voz off remete-nos para uma cidade deserta onde um coche puxado por cavalos transporta um caixão, que se abre e revela conter ele próprio no seu interior.
Essa experiência onírica é suficientemente forte para que decida tomar a direção de Lund de automóvel em vez do previsto avião.
Ainda estamos no início e já compreendemos que se trata de um daqueles filmes em que a viagem constitui a oportunidade para um personagem fazer o balanço de si mesmo e operar a mudança de tudo quanto de nefasto terá entretanto consciencializado.
Borg surge-nos como o típico misantropo, que evita o contacto com os outros, como se assim dispusesse por opção pessoal. O que irá descobrir é algo de que jamais se consciencializara: foram os outros a afastarem-se de si como forma de se eximirem ao seu egoísmo.
É isso mesmo que lhe diz a nora, Marianne., Ela acompanha-o, primeiro como passageira enquanto ele ainda está ciente da sua condição de mandante, mas depois toma-lhe o volante ao senti-lo progressivamente fragilizado nas suas convicções.
É que, além dos sonhos, Isak dá rédea solta às suas recordações. Vemo-lo assim no passado distante, na casa de infância, quando namorava a prima Sara junto ao canteiro dos morangos silvestres. A breve paragem, que eles ali fazem, constitui uma oportunidade para Isak ver o passado de outra forma.
Sara terá sido o primeiro amor da sua vida, mas perdê-la-ia para o irmão, Sigfrid, mais disponível para lhe dar a ternura pretendida, enquanto ele se limitava a cortejá-la com a ostentação da sua erudição.
Recorda, igualmente, a defunta mulher, que o enganava e depois se fazia perdoar, como se de cada vez o desafiasse a ser menos frio e mais dado ao afeto.
Essas memórias fazem-no compreender a justeza das palavras de Marianne: fora sempre tão egoísta que jamais atendera às necessidades afetivas das mulheres a quem julgara amar.
Por essa altura já tinham dado boleia a outros personagens: existe o trio de jovens, que vai para Itália e em que a rapariga, Sara (precisamente o nome da ex-namorada, e ambas interpretadas por Bibi Anderson) alimenta a rivalidade amorosa entre os dois companheiros, Anders e Victor. Existe, pois, um claro paralelo entre estes três personagens e os da recordação de juventude de Isak.
Mas também surge o casal, que tivera um acidente e vive em permanente estado de guerra conjugal. O paralelismo é aqui evidente, quer com a relação de Isak com a defunta esposa, quer com o que se passa entre Marianne e Evald: este último não queria que ela engravidasse, mas precisamente por ter ido adiante com a conceção de um filho de ambos é que buscara momentâneo refúgio na casa do sogro.
Noutro sonho inquietante, Isak vê o homem quezilento a quem dera boleia a fazer de professor, que o questiona sobre as capacidades para ser médico. E Isak chumba precisamente por questão de carácter.
Antes da cerimónia de consagração em Lund, Isak e Marianne ainda têm tempo para visitarem a mãe dele, uma anciã de 96 anos, que explica bem a natureza dos Borg: a mesma secura e ausência de sentimentos do filho e do neto, como se se tratasse de fenómeno hereditário e incontornável.
Mas o filme conclui-se de forma francamente otimista como se Bergman quisesse provar que nunca é demasiado tarde para mudar: quer na forma simpática como se despede do trio de jovens, quer quando Marianne se vem despedir dele ao quarto antes de o ver adormecer em posição fetal, Borg terá chegado a uma forma de reconciliação consigo mesmo. E por isso o sonho com que o filme se conclui é idílico... 

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