segunda-feira, agosto 04, 2014

LEITURAS: «Teatro de Sabbath» de Philip Roth (VI)

Sem soluções de sobrevivência Mickey Sabbath decide revisitar o bairro onde nascera e crescera antes de se suicidar. É assim que encontra, quase que por acaso, o velho primo Fish, já quase centenário.
É na sua casa decrépita que irá encontrar o velho aparador, que pertencera à própria mãe e, numa das gavetas, a caixa onde ela costumava guardar as coisas de Morty, o filho mais velho cujo avião fora abatido nas Filipinas no final da Segunda Guerra Mundial.
O passado regressa à mente de Mickey não só através desses objetos, mas também pelas cartas escritas pelo irmão pouco antes de desaparecer. Por coincidência, ou talvez não, Morty faria setenta anos de idade nesse mesmo dia.
A descoberta leva Mickey a mudar os planos: já não quer morrer, porque se sente guardião da memorabilia tão estranhamente descoberta.
No caminho de regresso a casa continua a ser assediado de constantes e oportunos flashbacks, como por exemplo o da última noite de Drenka ainda viva. “Aquelas foram portanto as suas últimas palavras, pelo menos em inglês. Dou o meu coração, dou-me a mim mesma, quando fodo. Difícil dizer melhor.”  (pág. 460)
Quando estaciona o carro junto à casa imagina o que seria espreitar pela janela e encontrar Roseanna a masturbar-se: “Havia uma casa e dento dela uma mulher; no carro estavam coisas para venerar e proteger, substituindo a sepultura de Drenka como o significado e o objeto da sua vida. Nunca mais precisava de voltar a deitar-se na campa dela a chorar - e, ao pensar nisso, foi avassalado pelo milagre de ter sobrevivido  todos estes anos nas mãos de uma pessoa como ele. Ficou estupefacto por ter descoberto entre a esqualidez de Fish uma razão para continuar à mercê d inexplicável experiência que ele era, estupefacto pelo pensamento absurdo de que ele não existia, não sobrevivera, de que perecera lá em baixo, em Jérsia, muito provavelmente às suas próprias mãos, e estava no fundo do caminho de acesso ao Além, a entrar nesse conto de fadas finalmente liberto do anseio que era a marca de autenticidade da sua vida: o desejo avassalador de estar noutro lugar qualquer. (pág. 466)
Mas outra possibilidade se lhe coloca: e se Roseanna estivesse na cama com Christa, a rapariga que partilhara algumas vezes a cama dele com Drenka?
Saindo dali sem coragem para se voltar a colocar na dependência da ex-mulher, Sabbath dá de caras com Matthew, o filho de Drenka, que fizera carreira na polícia e agora lhe surgia disposto a vingar o desaforo por ele cometido com a progenitora como constatara ter acontecido pelo diário dela descoberto.
Quando se julga à beira de sofrer uma violenta e definitiva agressão, Sabbath vê-se abandonado em plena floresta: “mas o carro-patrulha arrancara, deixando-o enterrado até aos tornozelos na papa de lama da Primavera, cegamente tragado pelas hostis matas interiores, pelas árvores produtoras de chuva e pelos rochedos lavados pela chuva - e sem ninguém para o matar a não ser ele próprio. E não era capaz de o fazer. Não podia morrer, porra. Como podia partir? Como podia ir-se embora? Tudo quanto odiava estava ali. (pág. 483)
O romance conclui-se, pois, num final aberto, desapontando quem o julgara encaminhar-se para a morte efetiva do protagonista...

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