domingo, agosto 10, 2014

PRETÉRITOS: a perda das graças do mar

Faltavam poucos dias para o Natal de 1998, quando desembarquei pela última vez de um navio mercante.
O «Fernando Pessoa» estava ao largo de Durban e, passado o testemunho ao MacPinto, que me viera render, desci a escada de portaló para apanhar a lancha contratada para me levar ao cais.
Não imaginava ser esse o momento em que, “marinheiro” que fora durante vinte e três anos, perdia definitivamente as graças do mar. Embora estivéssemos na iminência do verão austral, o céu plúmbeo não me alertava para os momentos difíceis das semanas seguintes , já em Portugal, tomei conhecimento do fecho da empresa onde trabalhara nos últimos sete anos e meio e que me obrigaria a encontrar sedentária alternativa profissional.
Mas mais do que essas nuvens baixas e escuras, que prenunciavam tempestades, a despedida do mar teve outra vivência bem mais inesquecível: no trajeto de lancha entre o navio e terra firme, uma baleia veio sinalizar a sua presença quase ali ao lado. Ora imergindo, ora surgindo com o a cabeça e o dorso fora de água, acompanhou-me durante um bocado até seguir para a sua vida.
É essa a melhor das recordações com as baleias com me fui cruzando nessas quase duas dúzias de vivências neptunianas. Tão nítida, quando aqueloutra vivida nas costas da Patagónia, quando uma orca andou umas boas horas a rondar o «Funchal», então a aguardar cais disponível para atracar em Puerto Madryn.
Compreende-se que, nos acasos do zapping, me fixe nos programas sobre esses animais marinhos. Se eles exercem um fascínio quase universal, que justifica o sucesso dos passeios ao largo das costas de todo o mundo destinados a propiciar o seu visionamento, fará naqueles a quem a vida profissional propiciou essa mesma experiência em todos os oceanos.
Num desses documentários, que o acaso agora me disponibilizou, deparei com exemplos concretos da inteligência desses animais, mas também com o seu gosto pela interação com o homem.
No primeiro caso, filmado nas águas da Flórida, mostrava-se como algumas baleias de bossa cooperavam para rentabilizar a captura de um cardume de arenques. Guiadas por uma líder, o grupo confiava a cada um dos seus cinco elementos tarefas bem precisas conjugadas no cerco das presas mediante uma sucessão de bolhas de ar capazes de criarem a ilusão de uma «rede» donde elas se procuravam livrar subindo até à superfície. Na cena culminante cinco bocas enormes vinham fechar-se já fora de água depois de ingeridos centenas de peixes.
No segundo caso, filmado na Baja California, conseguiam-se cenas surpreendentes de baleias cinzentas a aproximarem-se de pequenos barcos pejados de turistas, para deles receberem carícias. O objeto de estudo dos investigadores, que estudam o fenómeno, tem a ver com o facto de elas terem sido chacinadas aos milhares durante as décadas em que funcionou ali uma pujante indústria piscatória, e tinham assumido um comportamento de distanciamento em relação aos seus predadores.
Quem viveu pela primeira vez a experiência de um contacto de terceiro grau com uma dessas baleias cinzentas terá sido  um dos pescadores que, até então, só vira na sua captura o seu sustento. Desde então, proibida esse inominável assassinato de uma espécie majestosa, fica o desafio autoimposto pelos cientistas: o de, a médio prazo, encontrarem forma de comunicarem eficientemente com tais animais. Para melhor compreendermos o que se passará nas suas gigantescas cabeças!


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