domingo, agosto 24, 2014

LEITURAS: «A Mancha Humana» de Philip Roth (IV)

Avançando com a abordagem do romance de Roth podemos sintetizar as cinquenta primeiras páginas de forma muito breve: aos 65 anos, e decido a mudar de estilo de vida desde que a operação à próstata o deixou impotente, o escritor novaiorquino Nathan Zuckerman estabelece-se numa pequena cidade universitário onde se torna amigo de Coleman, um velho professor, que se demitira da instituição local pela injustiça de ter sido denunciado como racista. Ademais, para a recuperação do seu prestígio não contribuiria nada a sua ligação amorosa com uma empregada de limpeza bastante mais nova que ele.
É assim que entra em cena Delphine Roux, uma professora de Línguas e Literatura por ele contratada, mas que lhe tinha uma antipatia indisfarçável. Coleman não tem dificuldade em identifica-la como a autora da carta anónima, que denunciava esse amor clandestino: “Apesar do carimbo do correio da cidade de Nova Iorque, Coleman reconheceu imediatamente a letra como sendo da jovem francesa que dirigia o seu departamento quando ele regressara ao ensino depois de ter abandonado as funções de reitor e que, mais tarde, se contara entre os mais empenhados em vê-lo denunciado como racista e admoestado pelo insulto que fizera às suas estudantes negras absentistas.” (pág. 51)
Para Zuckerman, que ainda a tudo isto assistia com o distanciamento de quem não se quereria propriamente comprometer, algo estará a mudar. Porque a força do preconceito irá sensibilizá-lo de forma inimaginável: “Foi assim que deixei de ser capaz de viver afastado da turbulência e intensidade de que fugira. Bastou-me encontrar um amigo para que toda a malignidade no mundo avançasse de roldão, impetuosamente.” (pág. 58)
Para essa malignidade muito contribuirá a personalidade de Lex Farley, o ex-marido de Faunia, que continua a pretender condicioná-la nos seus afetos e por isso espreita com quem ela vai namorando: “Os problemas com Lex Farley começaram mais tarde, nessa noite, quando Coleman ouviu qualquer coisa mexer nos arbustos, no exterior, achou que não se tratava de um gamo ou de um racoon, levantou-se da mesa da cozinha onde ele e Faunia tinham acabado de comer o espaguete do jantar, e da porta da cozinha e à meia-luz estival do anoitecer, distinguiu um homem a correr pelo campo das traseiras da casa, na direção dos bosques. (…) Esta era a primeira vez que Faunia estava presente e foi ela quem, sem precisar de ver o vulto do homem a atalhar pelo campo, identificou o intruso como o seu ex-marido.” (pág. 65)
Os episódios com esse antigo soldado caracterizado por instintos de psicopata vão-se sucedendo: “Este era o Lester Farley que saíra aos berros dos arbustos. Este era o homem que avançou para Coleman e Faunia quando estavam do lado de dentro da entrada da cozinha, que veio direito a eles da escuridão dos arbustos do lado da casa” (pág. 83)
Para o velho professor toda a dificuldade de relacionar-se com os vizinhos ainda mais se agrava, incitando-lhe a vontade de se isolar cada vez mais, só abrindo exceções para Faunia e para Zuckerman: “Havia dois anos que Coleman não ia ao campus da universidade e, agora, nem sequer ia à cidade se podia evitá-la. Já não odiava todos e cada um dos membros da faculdade; só não queria ter contacto algum com eles, receoso de que, se parasse para conversar, ainda que de coisas sem importância, fosse incapaz de esconder o seu sofrimento ou de esconder o que escondia, incapaz de ficar ali parado a ferver ou, pior ainda, de evitar descontrolar-se e lançar-se incontidamente numa versão demasiado clara de neurastenia do homem injustiçado.” (pág. 97)


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