quarta-feira, agosto 15, 2018

(DL) Pode-se separar a obra da personalidade de quem a criou?


A morte de Naipaul veio reavivar uma questão, que tenho por pertinente: apesar de o reconhecer escritor de mérito, podemos dissocia-lo do feitio execrável, que sempre revelou? Será que o conteúdo da obra pode autonomizar-se dos comportamentos de quem a escreveu?
Pode-se dizer que o autor de «Uma Curva no Rio» não manchou a biografia na dimensão de Louis Ferdinand Celine, conhecido colaboracionista nazi durante a Ocupação da França e autor de textos repulsivos contra os judeus cujo martírio apoiou com entusiasmo. Nesse sentido nunca pude entender o entusiasmo de Baptista Bastos pelo romance «Viagem ao fim da Noite», mesmo considerando o autor um crápula.
Naipaul foi conhecido pelo seu racismo social e pela misoginia indecorosa, que comportara fama de praticante da ignóbil violência doméstica. Proveniente de uma família pobre radicada na ilha da Trindade, ambicionou tornar-se num grande escritor, fez por isso, mas nunca deixou de desprezar os que tinham a mesma origem social e se haviam revelado incapazes de apanharem o mesmo ascensor, que lhes propiciasse idêntica fama e proveito.
Daí a questão por esclarecer: será possível ler-lhe os celebrados romances e esquecer quem os criara?

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