segunda-feira, agosto 13, 2018

(DIM) Ansiemos pela Retrospetiva de Ozu, atualmente em exibição nos cinemas franceses


Quando em maio de 1978 a França descobre um filme a preto-e-branco intitulado «Viagem a Tóquio», os cinéfilos europeus começaram, enfim, a valorizar uma obra datada de 1953, realizada por Yasujirō Ozu, entretanto falecido quinze anos antes.
«Viagem a Tóquio» conta a visita aos filhos, entretanto radicados na capital, por um casal de anciãos, que se sentem desenquadrados com os novos valores e costumes. É uma história familiar, com recurso intenso aos planos fixos em cenários interiores, mas focados quase sempre nos rostos dos personagens.
Era um Japão muito diferente do que os europeus se tinham habituado a conhecer nos frescos históricos de Akira Kurosawa. Pelo contrário deparavam-se com o país no presente, em acelerada transformação,  mormente nas estruturas sociais.
Nas últimas semanas vários filmes de Ozu regressaram aos ecrãs franceses, agora em versões restauradas, e não me admiraria, que, com o atraso habitual, viessem a seguir projetar-se nos cinemas ainda geridos por Paulo Branco ou no Ideal Paraíso. A assim acontecer, serão, obviamente de visão obrigatória.
Ozu assinara 54 filmes entre 1927 e 1962, marcando a história do cinema com a constante preocupação de apresentar um retrato sensível e poético do quotidiano através de famílias confrontadas com problemas insolúveis, como o da irreversibilidade do tempo ou as fraturas suscitadas pela ocidentalização do país. A sua forma de filmar, quase ao nível do chão, convidava o espetador a ver-se como membro da família, limitando-se ao papel de observador silencioso das vicissitudes por que ela passava.
Os núcleos familiares tinham, amiúde, três gerações a partilharem o mesmo teto, e a libertarem-se dos traumas herdados da Segunda Grande Guerra, ainda tão presente nas suas memórias. Elas olhavam inevitavelmente para direções diferentes e quase nem pareceriam falar a mesma língua.
Nos filmes da fase mais avançada da sua obra, Ozu mostra como a entrada da televisão nos lares japoneses ocasiona uma revolução cultural, que banaliza a realidade de homens engravatados a saírem em grupo das estações de metro ou as mulheres a abandonarem a condição tradicional de donas-de-casa, entrando em força no mercado do trabalho. Se Ozu revela uma indisfarçável ternura por esse mundo novo, não ilude a melancolia pelo que tinha o seu fim anunciado.
A afeição que colheu junto dos amantes da sétima arte, fez de Ozu um cineasta indispensável para compreender o que é o cinema, não só por ser um dos seus grandes formalistas, mas por se reconhecer imediatamente o seu estilo tão-só se vejam alguns planos, poucos, de um qualquer dos seus filmes. Ele inventou a sua própria gramática, feita de uma aparente simplicidade, mas, de facto, bastante complexa, quando a analisamos mais aprofundadamente.

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