quinta-feira, agosto 02, 2018

(DL) As dúvidas de John Steinbeck durante um sarau de poesia em Tbilissi


Ao ocorrer a queda do muro de Berlim uma das expetativas, que vi goradas, foi a da evolução política ulterior em países em que o gosto pela cultura era um facto. Lembrava-me de passear por Tuapse a meio da tarde e ouvir a propagação dos sons dos músicos, que ensaiavam reportórios no seu Conservatório. Em Leninegrado, uma acelerada caminhada ao longo do Neva constituía uma viagem ao passado, com monumentos adornados de cúpulas douradas a imporem a atenção a cada passo. Nessa época as emissões televisivas nada tinham de semelhante com as conhecidas a ocidente, dando justo destaque, em horário nobre, a bailados, peças de teatro ou filmes de grandes realizadores soviéticos.
Afinal a atração pelo consumo falou mais alto e os cultos cidadãos da Europa de Leste tornaram-se presa fácil das ilusões capitalistas e de doutrinas opostas àquelas em que haviam sido educados, como se comprovam nos governos hoje estabelecidos em Budapeste, Varsóvia, Praga ou Bratislava.
No périplo por várias repúblicas soviéticas Steinbeck comprovou esse inusitado interesse pela cultura, particularmente quando compelido a participar em saraus de poesia como lhe aconteceu uma noite em Tbilissi. Para os interlocutores constituiu um choque que nos Estados Unidos não se desse tão efetiva importância aos escritores, quanto a que ali se lhes atribuía, sendo considerados autênticos arquitetos da sociedade, e merecendo túmulos mais majestosos nos cemitérios do que os concebidos para albergar despojos de vários reis.
O escritor conforta-se com uma consideração pertinente: embora dissociados do poder político, os seus pares norte-americanos tinham criado obras inesquecíveis ao colocarem-se no papel de críticos dos males sociais. Ao contrário, na União Soviética, há trinta anos formatada pela Revolução bolchevique, nenhum autor se conseguira equiparar aos grandes romancistas do século anterior - Dostoievski, Tolstoi. Talvez porque ser arquiteto das almas revolucionárias não se coadunasse com a Literatura com maiúscula?

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