quarta-feira, agosto 15, 2018

(S) Um Paraíso Perdido


(«Paraíso Perdido» de Günter Attein, 2015)
Quem terá cometido o pior pecado? Adão ou Eva?
Os convidados da conferência no Vaticano terão sentido um estremecimento no âmago das convicções, mesmo que houvesse quem o disfarçasse num sorriso nervoso. Há um silêncio, como se o da música do compositor marcasse presença naquele instante de dúvida. Seguir-se-iam palavras blasfemas?
Arvo Pärt partilha, então, a conclusão a que chegou: se Eva facultara a Adão o fruto proibido, ele escusara-se a pedir perdão e a prometer nunca mais ser por ele tentado. Ao invés culpara Deus ao desculpar-se: «A mulher que me deste por companheira, ofereceu-me o fruto da árvore e eu comi-o».
Adão não reconhece a culpa, transferindo-a para Eva, que o seduzira, e para Deus, que lha dera por companheira.
A espiritualidade inerente aos sons que compõe decorre das conjeturas formuladas a partir dos textos bíblicos. Os passeios pelas florestas estónias permitem-lhe a reflexão, a escolha dos caminhos por onde conduzir as notas a afixar na pauta, mas sobretudo os silêncios entre elas. Constituem orações prenhes de pureza e de beleza. Há quem neles pressinta sofrimento, talvez porque o rosto do criador o insinua, mas ele apressa-se a considerar que transcendência é experiência individual vivida por cada um como melhor lhe convier. Ele apenas pretende ajudar quem se dispuser a ouvir-lhe as obras como alternativas a este tempo de ruído.
A paixão de Adão ganha, porém, sentido mais intenso graças à encenação de Robert Wilson. Apesar de provir de cultura diferente, a compreensão do que a música sugere, traduz-se no encantamento do que se testemunha em palco, cruzando-se a verticalidade do tempo com a horizontalidade do espaço. Perante o milagre do que os olhos veem e os ouvidos escutam, a apneia quase se torna obrigatória, porque está-se na experiência única de, mesmo desacreditando em Deus, quase se desejar a sua existência para que a beleza atinja dimensão tão extrema.

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