domingo, agosto 26, 2018

(DL) Os exilados também morrem de amor: um romance de Abnousse Shalmani


Aos oito anos, Abnousse Shalmani acompanhou os pais para o exílio em França, quando, em 1985, escaparam ao regime de Khomeyni. Estudou História, mas profissionalizou-se no jornalismo, ao mesmo tempo que rodava curtas-metragens e participava em múltiplos debates televisivos, sobretudo quando se discutia a condição feminina no Irão ou a legalidade do uso do véu.
Em 2014 publicou um panfleto político - «Khomeyni, Sade et moi» - em que recordava a infância sob a severa vigilância das mulheres-corvos que, completamente tapadas e com o véu islâmico, consideravam-se as guardiãs da moral e da virtude de acordo com os preceitos do ditador religioso. Daí a sua cólera por ver mulheres que, em França, querem vestir de acordo com essa regra contra a qual os pais se insurgiam  Num artigo de opinião na revista «Marianne» escrevia ainda há alguns meses: "Se as mulheres tivessem melhor memória, seria mais difícil que as ideias tradicionalistas e reacionárias fizessem das roupas uma questão de liberdade individual. (...) Porque não, não há nada vergonhoso, repreensível, sujo no corpo de uma mulher. Não há nada neste corpo que justifique impor um código de vestimenta, (...) cobri-lo com modéstia enquanto reivindica liberdade."
Há poucos dias Abnousse Shalmani  tornou-se um dos nomes incontornáveis da nova temporada literária em França com o romance «Les exilés meurent aussi d'amour». Numa das suas passagens ela conta: “ A minha mãe era um criatura feérica, que possuía o dom de tornar bonito o que era feio. Através da língua francesa, metamorfoseara-a em alquimista. Era para isso que serviam as palavras no exílio: combater o real e salvar o que restava do deslumbramento da infância.”
Neste romance, que dedica à progenitora, Abnousse Shalmani adota como alter ego uma miúda de nove anos, Shirin, chegada a Paris com nove anos, vinda com os pais para se integrar no clã familiar onde o comunismo servia de orientação ideológica e em que o quotidiano nada tinha de equivalente com o fausto vivido em Teerão.
Na aprendizagem do que a rodeia, Shirin descobrirá que os ideais podem ser mentirosos e assassinos. Apaixona-se por um cínico, inquieta-se com a chegada de um irmão perturbado, admira a mãe, mesmo vendo-a submeter-se às humilhações das suas temíveis irmãs celibatárias. Espanta-a a passividade abúlica do pai e torna-se amiga de uma sobrevivente do Holocausto, que pretende convencê-la das virtudes do riso como defesa contra a loucura humana.
Trata-se de um primeiro romance, com o seu quê de realismo mágico, mas dotado do humor e da ternura bastantes para considerar o exílio uma oportunidade de se ser feliz.

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