sábado, agosto 11, 2018

(DIM) «No Crepúsculo de uma Vida» de Sylvain Biegeleisen


Não sou um entusiasta do tema dos amores maternais ou filiais. Não tendo tido grande afeto por uma progenitora de quem apenas recebi a vida e uma enorme vontade de tão depressa quanto possível me libertar do seu diktat, consideraria difícil que um filme sobre a espantosa empatia entre um filho e uma mãe moribunda me causasse grande efeito. Um bom exemplo fora «Mãe e Filho» de Alexander Sokurov que, há vinte anos, causara um enorme clamor na crítica internacional, e me deixara quase indiferente por muito que a valia estética merecesse alguma atenção.
E, no entanto, à medida que este filme evoluía, sentia-o como um dos melhores vistos recentemente. Porque Sylvain não dramatiza a circunstância da progenitora estar nos últimos meses de vida, integrando-os no curso natural de uma existência, que se conclui inevitavelmente dessa forma, mas dando-lhe compensações enquanto é possível: canta-lhe temas de Brel, acende-lhe cigarros, serve-lhe copos de vinho, confeciona-lhe sopas e, sobretudo, tenta manter um diálogo estimulante, quase nunca sobre reminiscências perdidas, mas sobre o que sente no presente essa iminência do fim. «Viver, significa abrir os olhos fechados!», afirma Diane com a autoridade dos seus 94 anos.
Não há aqui lugar para as detestáveis lamechices a que recorrem os habituais cultores do género, quando anseiam por acicatar a sensibilidade dos espectadores à conta dos efeitos com os levem a recorrer aos lenços para enxugarem as lágrimas comovidas. Aqui, pelo contrário, Diane e Sylvain falam sem problemas do dinheiro, que ele encaixará com o filme por ambos concretizado, decidido quando os médicos terão previsto apenas alguns dias de vida, e afinal prolongados pelos meses em que ela resiste no quarto, que serve de quase único cenário, porquanto até os belíssimos planos de árvores e nuvens no céu, que separam as várias takes, adivinham-se colhidos algumas vezes da janela do quarto.
Não há qualquer nostalgia na admirável Diane, que diz construir a vida orientada para o futuro, não para o passado, querer falar da vida e não da morte. «As pessoas não veem mortos suficientes na televisão?» pergunta. E, no entanto, pela idade, não é difícil imaginar as dificuldades, por que terá passado quando conseguiu sobreviver ao Holocausto.
O filme é uma admirável partitura a quatro mãos, que se acariciam, dançam juntas e ritmam a obra. As mãos de uma velha senhora, que aquecem as do filho, vindo da rua, a as quais sopra e aperta. Apontando para cima como sinal de força: «Há sempre algo que por que valha a pena lutar. Eu quero continuar a lutar.»
Sylvain procura discernir qual o segredo dessa força em querer viver, quando o corpo já está tão fragilizado: «Como consegues manter-te tão em forma, mesmo acamada?». E, ela com um sorriso zombeteiro: «Não sou obrigada a contar-te tudo!»
Se Sylvain tenta filosofar sobre a vida e a morte, como se existisse um contrato implícito desde o nascimento até ao seu desenlace, a mãe desconversa poeticamente, abalando quaisquer dúvidas e receios, como se imitasse Harpo Marx numa inocência sem idade.
A própria ideia de espera é por ela descartada: «A espera de quê? É fútil perguntá-lo!». Desconcertando o próprio filho ela persiste focada no futuro apreciando cada segundo remanescente entre duas baforadas de fumo do cigarro, que agarra firmemente entre os dedos.
Quando Sylvain lamenta não haver quem nos possa ensinar a viver os últimos momentos, Diane riposta-lhe: «Ainda bem! Para que serviria sabê-lo?»
«Para fazer as coisas corretamente!»
«Fazer o correto significa ter essa  preocupação durante toda a vida e não no mês ou meses antes do fim»
A geração de Diane fora a do silêncio. A maioria dos judeus belgas veio da Europa Oriental no início do século XX, fugindo do antissemitismo e trabalhando arduamente para integrar-se. Duas décadas depois teve de recomeçar de novo, reconstruindo-se a partir das ruínas deixadas pela Ocupação nazi. Terá sido uma geração, que mimou os filhos, os considerou preciosos. Eis o que explica o amor que liga Sylvain e Diane e faz deste documentário um jubilatório prazer.

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