terça-feira, agosto 07, 2018

(DL) Os Homens Ricos e as Mulheres Bonitas


É porventura um pecado de que me devo penitenciar, porventura com uma tardia correção: nunca li um único romance de Jane Austen. O mais que de um deles - «Orgulho e Preconceito» - me  aproximei foi através de um série inglesa em que Colin Firth envergava as vestes do Mr. Darcy, por quem Elizabeth Bennett ridiculamente suspirava. Na época essa abordagem ajudou a convencer-me do carácter xaroposo do universo ficcional da escritora, que pouco teria de concreto para me atrair à sua leitura.
Terei feito mal, pois um dos papas da crítica literária (Harold Bloom) não poupou nas palavras para incensar o talento literário da autora. Só quando o soube fiquei ciente de, mais cedo ou mais tarde, vir a aferir a minha reação a um universo, que se revela bem mais realista do que julgaria nele encontrar, porque reflexo rigoroso do que era a vida na Inglaterra novecentista numa classe social acima da que Dickens se fazia arauto. Afinal aquele respeitado literato, que tem pugnado pela óbvia superioridade de Saramago em relação ao invejoso, que andará até ao fim da vida a vituperá-lo por lhe ter sonegado o Nobel, tem de ser merecedor da maior das confianças.
Uma possível introdução  à obra da escritora inglesa pode ser o romance de Helena Vasconcelos, publicado no ano transato, e cujo título singular é retirado de uma das frases-chave de «Mansfield Park»: «Não Há Tantos Homens Ricos como Mulheres Bonitas que os Mereçam».
Através de Ana Teresa - uma jovem particularmente rendida a Austen, sobre quem se especializa - são-nos transmitidas muitas informações sobre a respetiva biografia e obra, ao mesmo tempo que se acompanha uma narrativa a interligar os dois tempos, o da atualidade e o da Inglaterra em que a escritora viveu. Será possível refletir num contexto tão diferente os valores de uma época particularmente conservadora nos usos e costumes, sobretudo no que ao amor e ao sexo diz respeito?
Numa entrevista de apresentação do seu romance, Helena Vasconcelos considera Jane Austen uma feminista avant la lettre, que não quis casar para se dedicar mais porfiadamente à escrita, desconhecendo até à morte as alegrias propiciadas pelos estímulos eróticos na carne. Mas se ignorava tudo sobre o que as personagens femininas dos seus romances parecem procurar não deixou de analisar aplicadamente a época, dela reportando muitos motivos de crítica, senão menos de mordacidade feroz.
Suspeito que, entre o original e a sua cópia, pendo necessariamente para o primeiro: mais valerá ler Jane Austen do que o ambicioso e o heterogéneo romance de Helena Vasconcelos. A leitura das primeiras páginas não me entusiasmou, mas tenho de consciencializar se reajo ainda de acordo com o preconceito antirromântico ou se, bem vistas as coisas, elas nada parecem adiantar relativamente a um percurso literário, que começa tarde e um bocado torto...

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