sexta-feira, agosto 10, 2018

(DL)  «Dora - Fragmentos de uma análise de histeria» de Sigmund Freud (3)


Ao iniciar o tratamento de Dora, Freud já estabeleceu qual seria a regra fundamental, que o guiaria no processo: a paciente deveria dizer tudo quanto lhe viesse à mente para que sobressaíssem na associação livre das suas palavras, os aspetos mais obscuros da neurose. A hipnose, que fora ferramenta fundamental em tratamentos anteriores, deixava de ter cabimento na estratégia do analista. O objetivo passava a ser o de trazer ao consciente o que o inconsciente escondia, detetando as resistências demonstrativas do seu recalcamento.
Em 1894, num ensaio dedicado ás psiconeuroses defensivas, Freud introduzira o conceito de «conversão histérica» para definir a transposição de um conflito psíquico para sintomas psicossomáticos que, em si mesmos, ganhariam um importante valor simbólico quanto à origem dessas representações recalcadas.
Em 21 de setembro de 1897 anunciara, em carta, a Fliesse, que renunciava à teoria de sedução, que desenvolvera nos «Estudos sobre a Histeria», em que se concebia a atração pelo perverso progenitor, que o levaria a conotar a primeira geração com essa devassidão e a segunda com o histerismo. Doravante seriam os fantasmas a ganharem uma influência relevante, hipótese que aprofundaria ao longo da cura de Dora.
O inesperado abandono da terapia pela paciente deixa Freud privado de quem lhe dava sustentáculo ao desenvolvimento do trabalho. Pressionado pelo desejo de compreender dedica quinze dias a redigir o texto sobre tudo quanto nele compreendera, ou pressentira, mas cometendo um elucidativo erro de datação, porque situa as sessões com Dora em 1899, quando elas tinham ocorrido no ano seguinte. Não estaria, ele próprio, a fazer a catarse do enorme fracasso, que constituíra a publicação do seu tratado sobre a «Interpretação dos Sonhos», e que tanto o ferira?
Por razões de confidencialidade, Freud demora a publicar o caso de Dora só o fazendo em 1905. Condicionava-o o dever de proteção da privacidade da sua paciente, muito embora sentisse a urgência científica de o dar a conhecer. Esse é um período da sua vida em que sofre por causa ceticismo com que os colegas apreciavam as suas ideias. Razão bastante para os tentar convencer com as novas descobertas e hipóteses, que lhe garantissem acrescida credibilidade, mesmo se à custa das reações escandalizadas dos menos capazes em se abrirem a interpretações distintas de todas quantas até então haviam sido formuladas. Daí que, no preâmbulo do ensaio, decida responder por antecipação às críticas que, a seu respeito, adivinha virem a urgir por parte dos detratores.

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