sábado, agosto 18, 2018

(DL) «Olhos de Água» de Conceição Evaristo (II)


Retomando o livro de contos de Conceição Evaristo ficam aqui recenseados mais algumas personagens próprias do seu universo criativo: mulheres fortes nas suas decisões, vivendo sem complexos o direito ao prazer. Mas também miúdos condenados à tragédia, porque são os elos mais fracos num ambiente violento por natureza. Nos livros de Conceição Evaristo não temos o Brasil de Copacabana ou de Ipanema, mas o dos morros onde cada dia é uma difícil prova de sobrevivência.
1. À quarta gravidez Natalina sente, enfim, vontade de ficar com aquele filho. O primeira nascera, quando ainda mal abandonara a puberdade e fizera-lho um amigo de infância com quem descobrira a sexualidade. Uma enfermeira, que a assistira no parto, oferecera-se para ficar com ele. O segundo nascera de uma namorado que pretendia constituir família, mas a vontade dela para tal projeto era nula. Ele voltara para a terra natal com o filho de ambos. No terceiro fora barriga de aluguer para os patrões. Agora, o quarto, nascera da violação de um bandido a quem matara com a própria pistola de forma a ficar com aquele filho só para ela.
2. Salinda vive um amor clandestino, mas tem fundamentadas suspeitas de estar a ser vigiada a mando do marido. Conta, porém com a cumplicidade da tia Vanda, que vive em Chã da Alegria.
De nada lhe serve, porque o conjugue descobre esta recente aventura amorosa, prometendo-lhe guerra, traduzida em requerer a custódia dos filhos, incluindo a primogénita, que até nascera de outro efémero amor de juventude.
3. Luamanda está orgulhosa de parecer mais nova do que o é de facto. Olhando para o passado, sabia-o fértil em muitas aventuras amorosas desde os onze anos. Amara jovens e velhos, e até outras mulheres, de todos colhendo gratas alegrias, exceto na relação com um crápula que, no momento da rutura, lhe violentara o sexo com um objeto perfurante. Chegada a idade mais avançada ainda se sente suficientemente inexperiente para prosseguir na recolha de inéditas descobertas dos sentidos.
4. Praia de Copacabana. Desde criança Cida vivia uma permanente sensação de urgência. Aos 29 anos exige dos amores, que sejam breves. Mas lá vem o dia em que decide não ir trabalhar, reservando tempo para si.
5. Benícia tivera as gémeas tardiamente, quando já nem se julgava capaz de engravidar. Zaita falava lentamente e em tons baixos, ao contrário da irmã, Naita, decididamente espalhafatosa. Zaita tinha nos modos um quê de doçura, de mistérios e de sofrimento. E é ela uma das vítimas do tiroteio entre gangues da favela numa tarde em que saíra à procura da irmã e da boneca que, erradamente, julgara ter sido roubada.
6. Aos 15 anos um menino de rua aparece morto no tugúrio, que partilhava com outro da sua idade. À dor lancinante no caroço, que lhe crescera na boca, acrescentara-se o pontapé nos testículos que o parceiro lhe assentara numa fútil disputa. Nunca revelará assim quem lhe matara a mãe, uma prostituta cujo desaparecimento representara para ele uma ilusória libertação.

Sem comentários: