sábado, agosto 04, 2018

(DL) «Dora - Fragmentos de uma análise de histeria» de Sigmund Freud (1)


Foi em 1891, que Freud foi viver para o número 19 da Berggasse em Viena aí recebendo numerosos visitantes. Nos homens contavam-se muitos dos seus discípulos. Mas eram sobretudo mulheres, quer pacientes, quer futuras analistas, com as quais Freud muito viria a aprender, pois muito contribuiriam para lhe enriquecerem os trabalhos.
Viena era, nessa altura, uma metrópole em efervescência. Tinha pintores, escritores, cientistas e filósofos a redesenharem o entendimento sobre o ser humano. O pai da psicanálise vivia, porém, à parte desse bulício, embora viesse a contribuir, e muito, para ele, com as suas novas teorias. Eram, no entanto, memoráveis as quartas-feiras em que reunia um pequeno comité de amigos e colegas para criar o que viria a crismar-se de psicanálise. Os pacientes, em número de cento e trinta, já estavam a franquear a porta do seu consultório para estenderem-se no célebre sofá, rodeados de livros e estátuas antigas.
Se ulteriormente viria a ter relações tumultuosas com a maioria dos discípulos (Adler, Jung, Rank ou Ferenczi) as que estabeleceria com as mulheres nunca assumiriam tal conflitualidade, não só por elas contribuírem para uma indisfarçável feminização do seu pensamento, mas também por lhes admirar a inteligência, sobretudo nos casos de Sabina Spielrein, Lou-Andreas-Salomé ou Maria Bonaparte, a quem instou a tornarem-se analistas.
Em outubro de 1901 recebeu uma certa Dora no seu consultório, Era uma rapariga de 18 anos, enviada pelo pai, que esperava vê-la curada dos fantasmas sexuais que a obcecavam, tanto mais que não largava as leituras de conteúdo pornográfico.
Durante onze semanas o tratamento iria evoluir da identificação com uma trivial história familiar para uma tragédia marcada pelo sexo, pelo amor e pela doença.
Quatro anos depois, já distanciado de um tratamento, que acabara interrompido pela própria paciente, Freud redigiu sobre ele o texto mais ambicioso de todos quantos escreveu sobre os seus casos clínicos. Nele desenvolveu teses inéditas sobre a histeria, a bissexualidade e a transferência.
Na década anterior Freud e Breuer tinham colaborado na análise da histeria, mas cavara-se a distância entre ambos, quando o primeiro arriscou hipóteses, que colidiam com o puritanismo do colega, incapaz de aceitar a possibilidade de existirem pulsões sexuais desde a mais tenra idade das crianças.
O pai de Dora, Philipp Bauer, era um rico industrial acometido de perturbações neurológicas relacionadas com a sífilis, razão pela qual se tinha tornado paciente de Freud. A filha, cujo verdadeiro nome era Ida, desde os 16 anos que apresentava sintomas incómodos - tosse, enxaquecas - dois anos depois agravados com afonia e frequentes desmaios. Fora perante esses problemas, que Freud a começou a tratar. Além de instá-la a verbalizar tudo quanto lhe viesse à mente, trabalhando a decorrente associação de ideias, escusou-se a recorrer à hipnose, que até então lhe parecera particularmente útil. A intenção era trazer ao consciente o quanto se ocultava no inconsciente, analisando as resistências exprimidas no recalcamento das pulsões mais escondidas.
Há quem considere este relato tão essencial para o conhecimento da psicanálise quanto o foram «A Interpretação dos Sonhos» e «Três Ensaios sobre a Teoria Sexual».

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