segunda-feira, dezembro 18, 2017

(DL) «Palácio dos Sonhos» de Ismail Kadaré

Publicado em 1981, este romance do mais famoso escritor albanês foi imediatamente proibido tão evidente era a abordagem do universo totalitário.
“Há muito tempo que pretendia construir um Inferno. Temia, porém, o que implicava de ambição e de quimérico um tal projeto depois de anónimos egípcios, Vergílio, Santo Agostinho e, sobretudo, Dante”, previne o autor que, para abordar a ditadura, recorre a uma polícia das consciências.
Num império indefinido, mas que tanto parece otomano, como a Albânia de Enver Hoxha devidamente disfarçada (“um dos mais vastos do mundo: mais de uma quarentena de nacionalidades de todas as confissões religiosas e etnias”), um jovem pertencente a influente família de servidores do Estado, Mark-Alem Quprili, é contratado para o Tabir-Sarrail, uma espécie de ministério da Adivinhação, o mais misterioso do regime, onde um exército de funcionários, autênticos polícias do inconsciente, recebem, classificam e interpretam os sonhos de todos os habitantes, mesmo os das províncias mais distantes, quer provenham de um ministro, quer de um vendedor de legumes, procurando neles discernir os presságios sobre o futuro.
Trata-se de uma missão gigantesca no intento de drenarem e centralizarem o inconsciente coletivo de todo o país. Lutas pelo poder, delações, encarceramentos, assassinatos…
Nessa burocracia misteriosa destinada a perpetuar as tiranias e as superstições, a promoção de Mark-Alem na hierarquia do Palácio dos Sonhos dá ao leitor a perspetiva global de um sistema de opressão, que devolve aos sonhos a importância por eles sempre tida desde a Grécia Antiga e do Oráculo de Delfos, e indispensável ao tirano para eliminar quantos tenham veleidades de lhe causar dano.
Ao fundir na narrativa as lendas e os «cânticos proibidos» dos poetas populares albaneses, o autor salta os séculos para revisitar um passado cristão anterior à ocupação turca, evocando o passado esquecido dessa grande família a uma ponte com três arcos situada na Albânia Central, construída quando ainda aí predominavam os cristãos e em cujos alicerces fora soterrado alguém.
Atravessando os círculos deste inferno kafkiano, Mark-Alem vai sendo promovido nas instâncias concêntricas do prominente centro do poder até se tornar no seu mestre todo-poderoso, mas constantemente assombrado pelo medo de também se ver esmagado pela burocracia, que dirige. Como todos os demais funcionários, ele põe  a si mesmo a eterna questão: “surgirá algum sonho que tenha a ver comigo?”.
Por isso sabe que a sua vez também chegará e talvez já estejam a dar flor as amendoeiras, que lhe ornamentarão a sepultura.

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