sábado, dezembro 02, 2017

(DIM) O Sacrifício de um Peão

Em Portugal deram-lhe o título de «O Prodigio», mas prefiro bem mais o inglês que faz de Bobby Fischer um peão a sacrificar em nome da Guerra Fria, que a América de Nixon  executava contra a União Soviética, valendo tudo, incluindo uma partida de xadrez, para conseguir sobrepor-se a quem a humilhara com o lançamento do primeiro voo espacial tripulado e com a progressiva influência geoestratégica nos países do Terceiro Mundo.
Estando por essa altura a prenunciar-se outra derrota vergonhosa nos teatros de guerra da Indochina, a Casa Branca precisava que Bobby Fischer derrotasse Boris Spassky e o mundo todo o soubesse. Que interessava que Fischer fosse um doido antissemita (apesar de ser judeu!) e ferozmente anticomunista (apesar da mãe ser russa e ter simpatias suspeitas para os macartistas tardios!)? Desde miúdo se lhe detetavam sintomas paranoicos, que a idade agravaria.
Não deixa de ser notável a capacidade para memorizar milhares de partidas de xadrez e utilizar-lhes os movimentos mais eficientes para se traduzirem em jogadas nas circunstâncias específicas de cada partida.
No filme realizado por Edward Zwick o maior desafio é não tornar tão entediantes as repetitivas cenas de dois xadrezistas colocados face a face e a mexerem as pedras do tabuleiro, olhando-se de forma mais ou menos reveladora dos seus estados de alma. Mas, convenhamos que esse objetivo equivaleria a desafio impossível de vencer: mesmo um conhecedor dos movimentos das peças não pode escamotear o bocejo de se ver em algo de tão enfadonho.
A ideia de dar relevância ao advogado que lhe faz assessoria por razões ideológicas e do padre com quem reina as jogadas e lhe prevê o desenlace à luz do sucedido com outro famoso xadrezista do século XIX, resulta em parte, mas sobram possibilidades não aproveitadas nas brevíssimas sugestões, mormente no relacionamento com as mulheres da sua vida (a mãe, a irmã e a prostituta com que terá perdido a virgindade).
Zwick releva, sobretudo, o embate histórico de 1972, quando eu próprio, com então dezasseis anos, passei as semanas anteriores e logo subsequentes ao meu aniversário a seguir os que se ia passando em Reiquiavique fazendo figas para que Spassky ganhasse. A sua derrota constituiu uma das minhas frustrações desse distante verão. Mas, como temia Lombardy, o padre católico, o problema para Fischer não era o medo de perder, mas o que sucederia quando ganhasse. E os acontecimentos futuros viriam a confirmá-lo: cada vez mais enclausurado no seu alucinado universo, Fischer viveria como um pária e só não morreria em tão drástica condição porque os islandeses dele se apiedaram e o recolheram nos últimos dois anos de vida.
O filme evoca uma personalidade, que o poder norte-americano cuidou como costuma fazer: mimando-o enquanto servia os objetivos do seu modo imperialista de se afirmar e, depois, diabolizando-o quando para tal já não serviria...

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