sábado, dezembro 09, 2017

(DL) «O Regimento dos Espectros» de Lydie Salvayre

Uma rapariga e a mãe partilham um apartamento miserável sujeito à morosa visita de um oficial da justiça incumbido de recensear os bens para que respondam por dívidas acumuladas. Entramos num impasse logo de início: há unidade de lugar, de ação e de tempo numa tragédia concebida como uma espécie de grito sufocado. O visitante permanece calado, a filha vai procurando iludir-lhe o estado de insolvência em que estão e a progenitora vive num limbo entre o presente e o passado, misturando ambos embora preponderando-lhe as memórias da ocupação nazi. Ela não conseguira superar a memória infantil de ver o irmão assassinado pela milícia, perdendo qualquer noção de humanidade civilizada. Louca? Talvez, embora a autora jamais o declare…
É um facto, porém, que ela olha para o oficial de justiça como se tivesse sido enviado por Darnand a mando do general Pétain. Embora tenham passado, entretanto, cinco décadas desde que a guerra acabou e a grande maioria dos que tinham-se portado com cobardia ou perversidade haviam já desaparecido.
Tratando-se de um romance dedicado a quantos terão vivido a experiência do horror levado aos seus limites, coloca a bem conhecida questão depois enunciada por quantos sobre ela falaram: como viver depois de tudo isso?
Se Lydie Salvayre sempre trata Pétain como Putain é por ter conhecido num café um velho senhor, que lhe mostrara os números tatuados no braço e lhe falara do que sofrera no campo de Buchenwald. Terá sido ele a contar como ali costumavam chamar ao pérfido general, dado depois aproveitado pela escritora ao longo da sua estória, demonstrativa da significativa parcela da população comprometida com o regime de Vichy e até vendo na denúncia anónima a oportunidade para, eventualmente, fazerem seus os bens deixados pelas vítimas . E não admira que a maldade tenha sido quase sempre apanágio dos mais desqualificados, daqueles que Marx designou como lúmpen não lhes atribuindo senão um papel mais do que ambíguo no contexto da luta de classes...

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