quarta-feira, dezembro 20, 2017

(DIM) «Vejo Tudo Nu» de Dino Risi (1969)

Quando a década de sessenta chegou vigorava ainda um ambiente muito conservador, com turmas só para meninos e outras só para meninas, e quando estas se aproximavam de idade mais casadoira aumentava-se a vigilância familiar não fosse entrarem por caminhos de perdição, que dessem ensejo a uma das mais temidas instituições de então: a maledicência dos vizinhos.
Veio a guerra em África e uma súbita revolução musical, a aliar o gingar expressivo de Elvis à histeria suscitada pelos Beatles, suscitaram efeitos colaterais - grandes guedelhas, biquinis e minissaias - causadores de grande escândalo nos mais arreigados defensores da moral e dos bons costumes.
Se essa realidade era óbvia em Portugal, não era muito diferente da que se passava no resto da Europa, sobretudo nesse Sul muito condicionado pela influência da hierarquia católica. Mas até nesta as coisas estavam a mudar: o Concílio Vaticano II mais não era do que o reconhecimento de um tempo de mudança, que o Maio de 68 em França apenas explicitou de forma mais veemente.
Ao chegarmos a 1969 - data do filme de Dino Risi - a libertação sexual estava na ordem do dia e a nudez conseguia impor-se com progressiva evidência contra a Censura, que a tentava ocultar.
Quer tudo isto dizer que o filme deve ser visto nesse contexto de agudizadas contradições entre os arcaísmos representados pela Democracia Cristã italiana e a acelerada afirmação dos sinais do que se entendia como moderno. Por isso o filme é uma sátira pop(ular), irónica, aqui e além apalhaçada, desse mundo em transformação.
Em cada um dos sete sketches ferozes e inventivos - todos interpretados por Nino Manfredi - há esse universo em que a repressão coteja o êxtase, ou em que as pulsões íntimas se veem ameaçadas de coação. Quando reprimidas, ei-las a suscitarem os maiores desvios ao entendido como normal.
São sete histórias em que todos quantos as protagonizam vivem obcecados com o sexo, tanto mais que a ufana sociedade de consumo suscitava necessidades inimagináveis através de um marketing impositivo.
Temos, pois, uma vedeta mediática a dar assistência a um ferido na estrada, que acaba por morrer, porque médicos, enfermeiros e outros doentes do hospital para onde se dirigira entendem, sobretudo, dar-lhe o exclusivo da sua atenção. Silva Koscina, uma das atrizes mais conhecidas de então - hoje pouco mais do que esquecida! - surge-nos aqui a reavivar-nos a sua memória.
Há um rústico particularmente excitado pela galinha da vizinha numa abordagem da zoofilia, que Woody Allen também replicaria três anos depois no seu «ABC do Amor».
A homossexualidade surge como tema do episódio «Ornella», um dos mais extensos, tão incensado por uns, quanto classificado de entediante por outros. Mas, como de costume na comédia italiana, exploram-se os equívocos, que tudo tentam esconder e acabam por tudo revelar.
Um dos sketches mais curtos é também um dos mais engraçados: o do míope, que só metendo os óculos percebe  que corpo estava a ser objeto da sua excitação.
A exploração dos equívocos está também n’”A Última Virgem”, em que um argumento incontornável convence uma tímida rapariga a portar-se com a fogosidade ditada pelas circunstâncias, que julgava serem as suas.
Muito citado é o “Locomotiva Minha” em que um conceituado chefe de família, casado com uma bela criatura, deixa-a todas as noites sozinha em casa para viver deliciado orgasmo com o mais inesperado dos estímulos.
E o filme conclui-se com o sketch correspondente ao título do filme: efeito da tal sociedade mercantilista em que se multiplicam imagens a estimularem a compra de todas as mercadorias, as essenciais e as supérfluas, um publicitário vê-se enredado nas armadilhas das suas criações, Pretexto para Dino Risi desafiar a complacência da Censura, com o alibi de constituir a nudez um fator fundamental da estória contada.
Temos, pois, um filme divertido e com muita malícia, ademais assinado por quem tinha formação académica adequada para saber do que estava a tratar: antes de se tornar realizador de cinema, Dino Risi formara-se em Psiquiatria, tendo até chegado a exercer essa especialidade médica antes de se orientar definitivamente para o cinema.



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