terça-feira, dezembro 05, 2017

(DIM) Quando Ingrid encontrou Roberto

Esta semana inicia-se na Associação Gandaia da Costa da Caparica o Ciclo dedicado aos grandes mestres do cinema italiano. A iniciá-lo estará «Viagem a Itália» de Roberto Rossellini, rodado quando a sua escandalosa ligação com Ingrid Bergman estava a conhecer tempos difíceis. Mas, porque a realidade do relacionamento do casal ganhava estranhos reflexos na tela, vamos recordar como ambos se tinham conhecido.
Não tivesse David O. Selznick contratado Ingrid Bergman para, nos finais dos anos 30, constituir uma rival da Garbo, comprometida com o estúdio rival, e talvez a atriz sueca não tivesse saído da alçada de Goebbels, que projetava tê-la como uma das vedetas do cinema nazi. Ela interpretou assim a versão norte-americana de «Intermezzo» em 1939, retomando o papel com que se notabilizara na película sueca de Gustaf Molander três anos antes.
Nos dez anos seguintes ela protagonizará filmes de referência - «Dr. Jekyll e Mr. Hyde» (1941), «Casablanca» (1942), «Por quem os sinos dobram» (1943), «Suspeita» (1944), «A Casa Encantada» (1945), «Difamação» (1946) e «Os Amantes de Capricórnio» (1949) - tornando-a uma das atrizes mais conceituadas de Hollywood.
Sentimentalmente, desposara o médico sueco Petter Lindström em 1937, mas não deixara de ter no entretanto muitas relações sentimentais bem conhecidas como as que alimentara com o realizador Victor Fleming ou o fotógrafo Robert Capa.
O escândalo ocorreria, porém, na mediática ligação com Roberto Rossellini, realizador que a maravilhara quando descobrira «Roma Cidade Aberta» num obscuro cinema da Broadway, o World Theater. Ela, que se enfeudara ao cinema convencional de Hollywood, descobrira que a sétima arte poderia ser algo completamente diferente. Depois, ao confirmar o fascínio pela obra do italiano ao ver «Paisá», escreveu-lhe a oferecer-se para rodar o filme que ele entendesse, deslocando-se para o efeito a Itália. Na época Rossellini abandonara a esposa legítima para viver num hotel com Anna Magnani e reivindicava um tipo de cinema apostado em detalhar a verdade dos factos apresentando-os sem artifícios. Estava-se, então, nos primórdios do que ficaria conhecida como a escola neorrealista italiana.
O primeiro encontro entre Rossellini e Bergman ocorreu em Londres, quando ela estava na rodagem de «Os Amantes de Capricórnio» de Alfredo Hitchcock. Nos meses seguintes os reencontros sucedem-se em Paris, em Nova Iorque e na Califórnia. Surgira-lhe, então, uma ideia de argumento, que envolveria uma erupção vulcânica na ilha de Stromboli e a relação amorosa de uma estrangeira com um aldeão dali oriundo e ali regressara vindo do serviço militar.
A rodagem do filme foi um suplício: a equipa viu-se distante do conforto da civilização e no meio de enxames de moscas. A atriz sueca sentiu-se sem rede a atuar para um cineasta, que lhe negou qualquer orientação para o desempenho do papel da sua personagem. Se o planeamento previa, que as filmagens durassem dois meses, elas prolongam-se por outros dois…
Para complicar as coisas Selznick decide produzir um filme concorrente com um tema similar - «Vulcano», realizado por William Dieterle - que teria por protagonista… Anna Magnani.
Durante semanas a fio houve uma feroz competição entre as duas produções para aferir qual delas conseguiria antecipar-se à outra na data da estreia. Mas o acontecimento mais significativo terá a ver com a gravidez em breve declarada em Ingrid Bergman. Para o realizador o filme assinala um triplo renascimento: o da heroína do filme, Karin, o da atriz que a interpreta e ficou de esperanças e o do seu país.
Rendida à Itália, Bergman parecia liberta dos artifícios de Hollywood.

Sem comentários: