domingo, dezembro 24, 2017

(DIM) A Comédia no cinema italiano

Curioso o cumprimento da regra de ninguém conseguir ser profeta na sua própria terra: a comédia italiana, que tanto sucesso causou nos anos 60 do século passado foi depreciada pelos próprios transalpinos. Só atentaram nela quando o êxito internacional de alguns dos seus filmes lhes caucionou o pretexto para olharem mais assertivamente os filmes com Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi ou Nino Manfredi e enquadráveis naquele que terá sido o único género europeu equivalente à noção hollywoodesca de existirem características passíveis de organizarem os filmes pelas respetivas temáticas (western, policia, comédia musical, etc.). Até então a expressão comédia à italiana só servia para os críticos designarem filmes sem pretensão artística ou política.
As origens do género radicam em várias tradições teatrais a partir dos anos 20, muito embora não esqueçam os contributos da commedia dell’arte.  Uma inspiração terá vindo do avantspettacolo, ou seja daqueles números de music hall, que antecediam a apresentação dos filmes.
Houve por certo o contributo das comédias pretensamente sofisticadas do período mussoliniano, que pretendiam imitar o glamour  de Hollywood. E não se pode esquecer a comédia dialectal, que procurava explorar o riso a partir dos costumes de algumas regiões italianas. A crítica ao regime tornava-se tão frequente em tais comédias, que Mussolini legislou no sentido de se proibiram os dialetos nos palcos.
O grande pioneiro da comédia italiana terá sido Tótó, enormíssimo ator que teve a desdita de não contar com realizadores à altura do seu talento. Por isso mesmo - e excetuando a colaboração com Pasolini - fica-nos a sensação de o ter visto passar ao lado de uma maravilhosa carreira artística, porque condicionada pelo escasso talento de quem o filmou. Anteriormente há também a colaboração entre o realizador Mario Camerini com os irmãos De Filippo - Eduardo e Peppino -, o primeiro dos quais viria a ser dramaturgo de muito mérito, objeto de verdadeira devoção por Mário Viegas.
Muito graças às duplas Steno - Monicelli e Age - Scarpelli como argumentistas, os anos sessenta foram muito fecundos para a produção e exibição de filmes, que testemunhavam a mudança de valores e de costumes, satirizando os que se tornavam absurdos e antecipando a pertinência das novas modas. O problema foi confrontar-se com a importância crescente da televisão como fulcro de entretenimento da população. Ao virar para a década seguinte, Ettore Scola ainda se esforçou por dar um conteúdo mais político ao género, adequando-o à herança de tudo quanto ocorrera com o Maio de 68 em França ou com os movimentos antiguerra do Vietname, mas o sucesso foi mitigado.  Os grandes nomes do cinema italiano foram morrendo e poucos foram capazes de os substituírem. No caso da comédia, Roberto Benigni teve um êxito tão imenso quanto breve com «A Vida é Bela» e Nanni Moretti, embora incorporando recursos do género, cultiva bem mais um cinema de autor, muito seu característico,  do que se sujeita a quaisquer outros cânones.
A comédia italiana acaba por ser um fenómeno cinematográfico, que pode e deve ser escalpelizado dentro das circunstâncias em que conheceu o seu esplendor...

Sem comentários: